quarta-feira, 27 de maio de 2009

Gazeta em forma de e-meio 90

O Ateneu de Caracas

Caladinha, a mídia hegemônica mundial engoliu o enorme e mais recente sapo chavista na Venezuela: a não renovação do comodato do Ateneo de Caracas à fundação privada que o ocupava há 78 anos. O que é o Ateneu de Caracas? Consiste no principal, maior e mais sofisiticado espaço cultural daquele país, fundamentalmente dedicado à arte de vanguarda, em nível internacional. Algo do tipo Guggenheim, de Nova York, o Tate, de Londres e o Beaubourg, de Paris. Mais para Guggenheim, claro, pois se havia, desde a fundação, nas mãos das elites burguesas nacionais e estrangeiras, e se posicionava em semelhante prática pseudo benemérita de oligarquias que, não por motivos meramente elitistas ou supérfluos, se arrogam como tutoras da produção artística de vanguarda em todo o mundo. A diferença é que as oligarquias latino-americanas, quando se pretendem beneméritas, o fazem de maneira particular: no que diz respeito às despesas, elas preferem se valer dos cofres públicos e não dos seus próprios.

Mas a reação interna, se não foi tão escandalosa quanto à não renovação da concessão do canal televisivo RCTV, em 2007 (que hoje completa exatos dois anos), igualou-se em poderio e em histeria percutida pela mídia hegemônica nacional, e chegou a ser várias vezes comparada em importância, por ambos os lados ideologicamente antagônicos.

A ousadia revolucionária foi encarada como a própria “invasão dos bárbaros”. A oligarquia, ao perder a força de uma canal de TV aberta, perde apenas um lacaio, ainda que um importante lacaio, mas sempre um lacaio. Mas, no caso do Ateneu, ela sentia-se atingida na medula. Era como a ocupação do Golf Club ou do Country Club pelo “populacho”. Era despedir-se das noitadas bem regadas a champagne e cocaína no seleto club de arte, a 100 dólares o ingresso, por pessoa, desfrutando com exclusividade das pérolas das ousadias vanguardistas, desde aquelas de Duchamp (pronunciado com boca cheia, dii-chamm, incluindo o biquinho à francesa no dii) e os dadaístas “loucos” do início do século passado, até as atuais, das madames e peruas artistas que, entre umas e outras divagações, em que costumam citar dii-chamm com afetada frequência, exibem camisinhas e líquidos vaginais em “instalações” célebres pela estupidez. A madame Guggenheim criolla, presidenta em exercício da fundação despejada, chegou a se mostrar nas telas de seus lacaios, pela primeira vez, sacudindo colares, braceletes e brincos impressionantes e fazendo ameaças histéricas de “resistência cultural”. “Chavez que enviasse a Guarda Nacional para desalojá-la” de seu santuário, esbravejava às câmaras, rodeada de uma meia dúzia de atrizes “globais” e outras madames do high society que ela então chamava de “companheiras”.

O que o gazeteiro pensava escrever a respeito, nessa sequência de textos aparentemente desconexos das últimas Gazetas, fora, contudo, já escrito pelo professor de História da Arte da Universidade de los Andes, Venezuela, César Araujo Torres, num texto de observação que traduz, a seguir, de sua publicação no Aporrea.com, no dia 17 passado:

“As recentes medidas tomadas pelo governo nacional não deixam de causar histeria nas elites midiáticas e econômicas do país. A última, a que derramou e até rompeu o vaso foi a não renovação do contrato de comodato do Ateneu de Caracas, edifício que era ocupado pela Fundação Ateneu de Caracas, em pleno centro cultural da cidade. Fim do mundo. Saltaram, de imediato, a ‘Elite’ (favor pronunciar em francês: elít) do mundo “cultural” caraquenho (entenda-se venezuelano, já que é a elít). Pronunciamentos, ameaças, insultos, até uma declaração de ‘resistência cultural’ (como se fossem nossos irmãos afrodescendentes ou dos povos originários). Porém, mais além dos risos que podem nos causar essas conhecidas gritarias e dos banais ataques midiáticos, é válido analisar um pouco tais posições e suas causas estruturais.

“Em primeiro lugar, é evidente – ao fim e ao cabo, quem são? – que a primeira motivação dos protestos é econômica. (...) Sem embargo, nossa reflexão principal não se centra no fato lucrativo, por demais evidente, senão na segunda razão que motiva o estardalhaço, isto é, o golpe na cultura hegemônica.

"Temos nos referido em outros escritos à dicotomia entre o conceito de cultura como estratégia de dominação, de subjugação dos povos, e a cultura como elemento transformador e, desta forma, liberador da sociedade. Vale recordar que no sistema capitalista contemporâneo a cultura cumpre um papel fundamental para além da mera arrecadação de lucros. A cultura no sistema dominante serve por um lado para prostrar as sociedades à força de espetáculos, modas e futilidades, saturando os povos de uma cultura light, cheia de nada e especialmente alheia a qualquer carga reflexiva, de qualquer sombra de consciência crítica. Se sustenta em entreter, para assim prevenir a tomada de consciência e, de algum modo, ‘drenar’ a pressão social gerada pelas desigualdades históricas. Chega inclusive à eficiente tática de aliviar os conteúdos reflexivos de possíveis mensagens, gerando produtos para um público ‘alternativo’, ao qual faz crer que pensa, mas, na realidade só preenche de mais conformismo as suas mentes (exemplo: as modas ‘rebeldes’ que se disfarçam de ‘esquerdosas’).

“Em contraposição, se encontra a cultura como elemento transformador, libertário, em que igualmente se pode rir ou chorar, porém, partindo de uma realidade concreta, resgatando elementos com que nos identificamos, retomando significados fundamentais das expressões culturais, respeitando e retomando os elementos ancestrais e, sobretudo, gerando consciência reflexiva para transformar a realidade. Vale dizer, uma cultura que não implica na surrada perspectiva reducionista em que é costume dividir as expressões culturais; por um lado a suposta ‘alta’ cultura e, por outro, as chamadas expressões ‘populares’. Pelo contrário, a questão não está no que se faz, senão em como e para que se faz. Não são a mesma coisa o rock comercial e o rock que reivindica toda a sua carga subversiva, nem tampouco a visão ligeira, ‘turística’, que o capitalismo costuma dar às produções das culturas aborígenes e a profunda sabedoria ancestral intrínseca a cada objeto produzido pelos povos originários.

"Por isto, a posição desses tresnoitados ‘amos do Vale’ não é somente um desvairio. Essa atitude encerra a necessidade de prosseguir o jogo do sistema dominante. Por sobre as atividades do Ateneu, algumas inclusive válidas, está o domínio do que eles consideram ‘cultura’, entendida como um espaço para onde conflui o ‘seleto’ séquito de iluminados pelas essências da arte, os que, por uma 'divina' clarividência, podem escolher as 'centelhas da arte' para o povo inculto (um termo, ademais, absurdo). Tal posição revela o interesse de manter o modelo hegemônico, de sustentá-lo e justificá-lo por serem eles os que ‘sabem’ de cultura. Trata-se não só de manter espaços e lucros, mas dos componentes ideológicos que implicam os mesmos. O assunto de fundo é o conceito de cultura que manejam, desde a visão excludente, classista, abertamente racista, hegemônica e dentro do esquema de uma cultura dominadora, com o propósito de barrar e hermetizar todo o empenho do fato cultural enquanto gesto libertário. Sua soberba na ‘defesa’ desse ‘santuário’ demonstra a certeza, o convencimento de sentirem-se diferentes dos demais, de acreditarem-se no uso do direito de estirpe, de linhagem, que o sistema lhes outorga como a mais ‘seleta’. Daí se sentirem insultados quando alguém ousa ‘contaminar’ seus santuários com povo.

"A recente sequência de sucessos, culminando com o anúncio do presidente Chávez do uso do edifício como sede da Universidad de las Artes, oferece não só a possibilidade de abrir estes espaços ao povo, aos jovens criadores, à gente da rua, senão dar uma guinada em direção à perspectiva reflexiva, crítica, da cultura, necessária dentro dos espaços acadêmicos. A nova sede desta universidade, encravada no centro de espaços culturais importantes como o Museu de Belas Artes, o Teatro Teresa Carreño, a nova Galeria Nacional de Arte, o Museu de Arte Contemporânea, entre outros, está destinada a oxigenar este espaço com novos artistas e criadores.

"Pelo lado pessoal, sou assíduo frequentador da Plaza de los Museos. Como muitos, passo tardes inteiras ali, falando de arte e outros temas nos arredores do Ateneu, sentado à sombra das árvores. Ali se dava, como natural contradição, o fato de os transeuntes da área - quase sempre jovens artesãos, artistas e intelectuais de todo tipo, mas POBRES, que de vez em quando nos metíamos a fuçar livros incompráveis ou a ver algum filme em promoção -, ficassem até o entardecer assistindo ao desfile dos ‘amos do Vale’ para as funções ‘culturais’ da noite e outras atividades fora do nosso alcance.

"Agora, imagino esse edifício alimentado de estudantes, de vida, de cultura libertária, de povo, de comunidade. Imagino-o aberto a toda gente, vinculado às comunidades, aos artistas e aos que até hoje nunca tiveram chance de mostrar suas obras nesses espaços. Para que a Universidad de las Artes seja essa diferença deverá ser uma universidade transformadora, digna de uma revolução socialista. Deverá assumir-se como parte da discussão da arte e da cultura como fato social, imbricado em nosso dinâmico processo. Entender que a arte não é um processo isolado, que um produto da cultura procede de uma dinâmica histórica-social complexa, e saber-se consciente dela permitirá a seus estudantes criar com ainda maior consciência e, por fim, maior liberdade.

“A arte não é o espelho da realidade; é o instrumento que lhe dá forma. (Brecht)”

Comentário da Gazeta:

Chávez não é um careta stalinista, e a revolução bolivariana que lidera é, para a Humanidade, o portal da liberdade neste século 21. Este gazeteiro não tem notícia de um processo revolucionário mais sintonizado com as vanguardas criadoras contemporâneas, desde a Revolução Russa. Quem não estiver percebendo isto, permanece no século passado e corre o risco de lá ficar, mumificado.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Gazeta em forma de e-meio 89

O papel da arte

Não são gratuitas nem meras coincidências as breves citações dos nomes de Lenin e de Trotski no texto de Higinio Polo a que nos referimos na última Gazeta. Foram eles raros, senão únicos, entre os mais célebres líderes revolucionários do início do século 20 que entenderam o papel ponta-de-lança da arte no processo libertário dos povos. E, ao contrário das castas burguesas - que sempre se julgam cultas e tacham de extravagâncias sem sentido ou de loucuras inconsequentes os experimentos e a ousadia dos artistas de vanguarda -, nunca duvidaram da aderência e da compreensão popular às manifestações inovadoras dos gênios inquietos que se abrigam na alma dos artistas.

A Rússia de 1917 demonstrou o poder de fogo das vanguardas na comunicação com as massas. Os verdadeiros artistas são aliados das causas libertárias dos povos, e, se lhes abrirem os espaços, ninguém melhor que eles para apontar às massas a direção das conquistas revolucionárias. Foi o que fizeram Lenin e Trotski no comando da Revolução Russa: abriram as portas para que a genialidade coeva se manifestasse com o máximo de liberdade. Enquanto Eisenstein construía o ministério do Cinema e fazia Outubro, um filme que até hoje pode ser considerado uma cinematografia de vanguarda, Malevich e Kandinsky pintavam e decoravam estações ferroviárias, praças e edifícios públicos, Maiakovski viajava pelo país declamando poemas a vastas platéias populares e, com Rodchenko, fazia publicações patrióticas para a consciência das massas, Isadora Duncan criava escolas de dança livre para as crianças do povo, Stravinsky, Shostakovitch e Bartok regiam uma nova música em praças públicas, Vertov fundava o cinema documentário, Stanislavski transformava o teatro, enfim, uma fantástica explosão de músicos, bailarinos, artistas plásticos, poetas, escritores, dramaturgos, atores, cineastas, jornalistas, filósofos, ideólogos, que, ao lado dos políticos, militantes e militares revolucionários provocavam as massas para que elas mesmas fizessem a sua revolução. E a resposta destas não se fez esperar. Em menos de cinco anos consolidou-se surpreendentemente uma revolução que mais parecia um arroubo utópico em uma nação subdesenvolvida, atrasada, quase feudal, com uma população de 98% de analfabetos e que sequer possuía aquilo se pudesse chamar de classe operária.

No entanto, as forças reacionárias infiltradas naquele mesmo processo instilaram o veneno dos sofismas, da mentira, da fraude, e, com a morte de Lenin, conseguiram expulsar a Trotski e implantar o stalinismo, que é a própria negação da arte, e que sabemos bem no que deu. Na verdade, a verdadeira Revolução Russa durou apenas o intervalo de tempo compreendido entre a chegada de Lenin a Moscou, em 1917, e o tiro suicida de Maiakovski, em 1930. Pouco antes, Malevich era acusado de “subjetivismo” e passou a ser perseguido pela caretice que já se impunha na Rússia soviética. Em 1932, a música de Shostakovitch, um dos gênios revelados pela revolução, era censurada pelo stalinismo usurpador. E isto foi só o começo.

Mas aquela explosão não fora exclusiva da Revolução Russa. Nela, a arte teve o espaço de poder para se manifestar e tomar contato com o povo. Porém, em todo o mundo a inquietação das vanguardas artísticas já vinha se manifestando desde a primeira alvorada do século. Se por um lado, até chegaram a atrair alguma atenção interessada das massas, por outro, despertaram todos os alertas da reação burguesa. Com o susto provocado pelo sucesso de Lenin, as oligarquias ocidentais trataram de repensar suas estratégias para que o mesmo não ocorresse por aqui. E não eram tão burros como os stalinistas. Rachel de Queiróz costumava dizer: “os comunistas (leia-se stalinistas) são muito burros!” De fato, a nossa primeira escritora acadêmica estava cheia de razão.

Se Trotski tivesse permanecido um dia mais em Nova York é possível que visitasse a exposição dos artistas independentes e conhecesse em primeira mão a provocação de Duchamp e o seu urinol. E saberia interpretá-la muito para além de uma manifestação meramente iconoclasta; Trotski tinha cabeça mais que suficiente para perceber, no ato, o gesto de dessacralização ou desaburguesamento da arte e, além do mais, a contestação do objeto artístico enquanto mercadoria do comércio burguês de futilidades com status e expertise acadêmicos. Foi, sem dúvida, um gesto por si só revolucionário, com ou sem o engajamento do artista em uma ou outra corrente ideológica que se apresentasse como revolucionária; um gesto que poderia despertar o interesse e a consciência das massas para o debate sobre a criação artística, coisa que não passaria desapercebido a Trotski como não lhe passaram as manifestações semelhantes que ocorreram na Rússia soviética que ele propôs, ao lado de Lenin, erigir. A colaboração de Trotski que se deu logo a seguir com as vanguardas mexicanas, além dos escritos que deixou, validam essa tese que, aliás, Polo sugere com sutileza em seu artigo.

Porém, apesar de não ter sido este o objetivo principal do artigo dele, considero a maior virtude daquele seu escrito a restauração do frescor revolucionário do movimento dadaísta – independente de que seus protagonistas se alinhassem a correntes políticas da época, muitas das quais, por sinal, se não foram completamente derrotadas, acabaram por se revelar no oposto do que preconizavam. O artigo soma também, a essa questão, a denúncia de que a burguesia capitalista, com a cumplicidade de uma intelectualidade lacaia, tenta absorver aquele movimento de pura arte e da mais autêntica rebeldia criativa como mercadoria de luxo e colocá-lo na mesma prateleira mofada de seus epígonos pretéritos e atuais cujas obras não são mais do que, como bem definiu Polo, “soberba estupidez”. Evidencia assim a estratégia desses interesses oligárquicos e mercantilistas em aguar, melar, diluir todo movimento de real expressão artística, seja histórico ou contemporâneo, mas sempre e intrinsecamente revolucionário, e fazer com o que o papel da arte nos contextos sociais, políticos e históricos se reduza a inconsequentes bufonarias assinadas por débeis mentais ou no anonimato disfarçado de grupos culturais para depois vendê-las ao público e às massas, pelos canais da mídia hegemônica, como se fossem obras primas. Vivemos hoje os estertores dessa triste decadência capitalista e da fraude cultural elitista levada a cabo ao longo de quase todo o século passado no empenho de mantê-la a todo custo, a cada década com maior grau de exacerbação neurótica que, de uns anos para cá, toca os limites da estupidificação absoluta e da dissociação psicótica da realidade.

Mas a arte ao longo da história vem registrando tempos de obscurantismo iguais ou piores no passado e a todos não somente sobrevive em sua eternidade como tem sido o bálsamo dos que resistiram e a essência das bases morais, políticas e estéticas que são as que sempre ofereceram à Humanidade os caminhos da liberdade. Se seguimos ou não por tais caminhos é uma questão que vale outra Gazeta.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Gazeta em forma de e-meio 88

Retorno à razão

Durante as encucações que nestes dias ocorreram a este gazeteiro dedicado aos atuais e graves problemas da Humanidade, situação em que as forças da desgraça são tão mais poderosas que as da graça, a tal ponto que se necessita ser muito otimista para crer que este mundo possa voltar a ter graça (e que assim mesmo não será “de graça”), surgiu, quase como uma pedra de toque, uma despretensiosa mas muito interessante e peculiar matéria publicada no site Rebelión, que foi como uma luz que se acendeu na escuridão envolta em pesadelos sombrios.

Não porque este gazeteiro compartilhe por inteiro das idéias do articulista, Higinio Polo, doutor em História Contemporânea pela Universidade de Barcelona; até pelo contrário, há muitas de suas teses das quais, se não diverge por completo, as contestaria em outra oportunidade. Mas o que nos interessa agora é o aspecto mais rico do artigo, o qual ilumina de forma brilhante um momento histórico aparentemente de pouca importância, em particular para aqueles que se propõem ou se apresentam como “cientistas” políticos ou pensadores “de esquerda”. É que estamos nos referindo ao papel da arte no processo de transformação da realidade, o qual o autor - que apesar de considerar “as questões sociais e políticas sempre mais relevantes que a arte”, numa inesperada contradição com o seu próprio artigo -, ilustra com magistral percepção analítica, não acadêmica, diga-se logo, que retira quase toda a névoa de equívocos que costuma nublar, propositalmente em casos como o que ali enfoca, a verdade e a brilhância dos fatos tal como se deram.

Com raríssimas e honrosas exceções, os que militam em movimentos ditos “de esquerda”, “revolucionários” ou “de resistência”, em especial os que ocupam os espaços de maior influência e poder na mídia hegemônica e também na de resistência, desprezam solene e historicamente toda manifestação artística de vanguarda, que reputam preconceituosamente como acontecimentos menores, sem importância para a luta de classes, alienados e distantes dos interesses dos povos quando não, e o que é mais comum, tachando-os de “fora do alcance da compreensão das massas”.

Na verdade, fora da compreensão deles - desses caretas e da falta de sensibilidade crônica que os caracteriza -, porque as tais massas sequer têm acesso a conhecer ou a experimentar os avanços contemporâneos da arte, uma vez que seus inimigos de classe, as oligarquias e burguesias, já que seus opositores no plano intelectual nada fazem para contrariá-las, compreendem muito bem o significado libertário de tais avanços e tratam bloqueá-los por todos os meios, ou, quando não podem, de acolhê-los e mantê-los sob custódia, restritos a redutos hermetizados pelos privilégios de classe, e, se possível, transformá-los em lucrativas mercadorias “do grande negócio das megaexposições, museus e coleções particulares”, como denuncia com precisão Higinio Polo em relação às artes plásticas, o que é o foco de seu artigo, mas cuja verdade pode ser perfeitamente estendida a todas as manifestações de arte contemporânea ou de vanguarda, produzidas nas demais expressões artísticas.

“A massa ainda há de comer o biscoito fino que eu fabrico”, profetizou Oswald de Andrade. Mas isto só se dará quando uma inteligentzia de paladar apurado for capaz de resgatar esse biscoito do esconderijo burguês em que foi enclausurado. O artigo a que se refere esta Gazeta se chama Retorno à razão (ou Duchamp e seus camaradas), publicado com copyleft, e, a partir desse dispositivo de autorização automática, foi traduzido por este gazeteiro para o nosso idioma, com a inclusão de ilustrações a critério do tradutor, para ser publicado no nosso Suplemento Literário. O gazeteiro pede ao leitor que vá até ele, pois é parte importante das elucubrações prometidas na última edição da Gazeta e referência das próximas: http://gazetasuplemento.blogspot.com/

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Gazeta em forma de e-meio 87

A hybris e o seu festim diabólico

A Gazeta aguardou o passar desta breve semana na qual, como esperava, haveria de murchar o balão midiático da “gripe suína”. De fato, do pânico delirante nas ruidosas manchetes de primeiras páginas há uma só semana até os discretos rodapés com breves comunicados da OMS que hoje se publicam, o que se passou na realidade? No entender deste gazeteiro, a melhor resposta a tal pergunta é: estamos no fade out de um exercício militar de “última geração”, para teste da nova arma de genocídio em escala global, a qual está sendo produzida pela indústria farmacêutica para camuflar-se como se fosse uma pandemia. Desta feita, ainda com “balas de festim”.

Ah, a teoria da conspiração... Sim, é ela. Coloquemo-nos no lugar dos famigerados “senhores da guerra”: nossa indústria bélica convencional ficou inviável; a economia das nações que a sustentam não a suporta mais e, se de todo as nações ainda não quebraram, não mais estão dispostas a mantê-la a tamanho custo. Atualmente só nos serve à retaguarda, na logística e como força de ameaça, mesmo assim em processo drástico de redução e sujeita à falência, sob todos os aspectos. O nosso braço midiático não funciona por si só; é preciso que haja a guerra, do contrário ele perde a força e também segue para a falência. Assim, em nossa luta contra a Humanidade – sim, a Humanidade é o nosso inimigo não declarado – temos de encontrar alternativas em que ela própria, a Humanidade, continue mantendo o oneroso esforço que fazemos para destrui-la.

Eis que alguns dos cérebros entre os mais privilegiados que a humanidade pôde nos fornecer e que mantemos sob contrato a nosso serviço, há muito vêm nos chamando a atenção para o potencial destrutivo e letal da indústria dos fármacos-químicos. Não é por menos que incluímos entre os nossos um dos mais poderosos próceres dessa indústria e até o pusemos na direção da nossa principal sede de comando.

Os primeiros ensaios só não foram melhores por causa da escolha equivocada do ente transmissor – as aves. A humanidade admira-as e as tem por belas e inofensivas, e não as viu, como desejávamos, como seres alados capazes de transmitir epidemias a toda parte; eis talvez o motivo pelo qual não funcionou adequadamente como ícone de comunicação, uma vez que não amendrontou o suficiente para causar o pânico necessário. Agora, com a mudança para o porco, animal horrendo e asqueroso, mais parecido conosco e amaldiçoado em diversas culturas, apesar de muito apetitoso, o efeito resultou bem melhor.

Logramos, de imediato, nada menos que cerca de dez bilhões de dólares só com a venda do Tamiflu, uma droga (droga mesmo, na acepção de porcaria, para ficarmos numa terminologia afinada com o novo ícone) adrede produzida para justificar o desembolso, pelos governos dos povos apavorados com a nova epidemia, em favor das nossas operações. Só o Brasil, por exemplo, não hesitou em desembolsar 200 milhões de dólares, de uma tacada, para a aquisição da droga. Conseguimos o México como base do “teatro de operações”, já que o seu governo, nosso aliado fiel, se via ameaçado pela mega manifestação popular que vinha sendo convocada para este 1º de maio, a qual foi abortada pelo pânico gerado. Também não podem ser considerados desprezíveis os lucros, ainda não totalizados pois estão em curso, que estamos fazendo com as vendas dos paninhos “tapa bocas” (nos diversos sentidos), a sete dólares a unidade.

Há que considerar também as facilidades das novas leis que, emuladas pelo pânico, estão sendo votadas em congressos de vários países a baixo custo de lobby, e que vão nos permitir coisas tais como invadir e ocupar residências particulares e propriedades privadas, fechar estabelecimentos comerciais, cancelar eventos esportivos e de entretenimento, e otras cositas más, sem a necessidade de mandato judicial. Além disso, estamos envidando esforços no mesmo sentido, junto aos poderes republicanos assustados de diversos países, para que possamos fazer o mesmo com propriedades e estabelecimentos públicos e até declararmos toques de recolher e quarentena de cidades e regiões inteiras, bem como controlar totalmente o trânsito por quaisquer vias terrestres, aéreas, marítimas e fluviais. Almejamos, para breve, conseguir também o controle total dos meios de comunicação, igualmente por quaisquer vias de difusão - eletromagnética, eletrônica, impressa, etc -, com poderes para fechar órgãos não aderentes e prender os responsáveis por veiculação de informações subversivas (imprensa comunitária, alternativa, ideológica ou de resistência), do que, aliás, já temos ensaios bem sucedidos em países como o Brasil e a Colômbia.

Tudo isso com apenas oito mortes, o equivalente a um desastre rodoviário fatal de uma só e velha kombi!

Ah, e o que é importantíssimo: obtivemos preciosas bibliotecas estatísticas, com detalhes quase microscópicos e em escala global! Um verdadeiro Google Earth do medo e do pânico. Podemos fazer agora cálculos bem precisos do que ocorrerá quando usarmos munição verdadeira...

O nosso maior problema no momento tem sido aquele mesmo que tivemos na época das armas nucleares. Ainda não conseguimos uma arma seletiva, isto é, uma arma que fulminasse apenas os inimigos que programássemos e não se voltasse contra nós mesmos e nossos aliados. Uma vez que os mais capazes entre os cérebros que temos sob contrato já declararam não ser possível a identificação étnica dos seres humanos através da engenharia genética, estamos agregando ao nosso arsenal a agroindústria, a indústria alimentícia e as grandes redes de comércio varejista (supermercados). A idéia é fazer com que o inimigo seja alimentado com determinadas substâncias geneticamente modificadas e projetadas para que, depois de algum tempo, o faça propício e identificável para a disseminação “cirúrgica” das futuras epidemias. Assim, será bastante nos preservarmos de ingerir tais alimentos (o que, para nós, é facílimo) para que fiquemos a salvo das nossas futuras armas de destruição em massa e possamos destruir completamente o inimigo, sem maiores danos colaterais ou de culatra.

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O jornalista Thierry Meyssan, editor do excelente site RedVoltaire, analisa assim a situação, em recente entrevista publicada no mesmo site:

“Washington optou pela ‘fuga para adiante’. Henry Kissinger tem afirmado que a crise criou uma ocasião inesperada para acabar de impor a globalização explorando o debilitamento dos que se opõem a esse processo. Essa forma de pensar é, a meu ver, um sintoma da hybris, o delírio do poder. Esse tipo de raciocínio já levou mais de um império à sua própria destruição. Washinton pretende sair da crise redesenhando o mundo de acordo com a sua própria conveniência, porém sem modificar a si mesmo. Isto pode levar a uma ruptura brutal.”

(entrevista completa em espanhol: http://www.voltairenet.org/article159890.html)

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A promessa da última Gazeta, de nos dedicarmos à análise das saídas que se vislumbram no horizonte para nós, a Humanidade, o alvo desses delírios de poder, fica outra vez postergada, ainda que este gazeteiro não veja a hora de começar a redigi-la.