quarta-feira, 3 de junho de 2009

Gazeta em forma de e-meio 91

O vago Llosa

Não me esqueço quando, lá pelos fins dos anos 70, veio ao Brasil o festejado escritor latino-americano em busca de material para o seu novo projeto “literário”. Vinha com pinta de grande escritor no estilo róliúde e teve tapete vermelho esticado pela canalha local, os fernandos sabinos da vida e os jornalistinhas de então, com todo o apoio da oficialidade de uma ditadura entreguista. Andou pelas primeiras páginas dos principais jornais impressos e nos destaques da mídia eletrônica falando um monte de besteiras em espanhol, pelas quais era sempre aplaudido pela embevecida intelligentsia brasileira de direita e esquerda que, ademais, lhe fazia o séquito por onde quer que fosse o posudo estrangeiro em suas “pesquisas de campo”. Recordo com nitidez o sentimento que a nós, da resistência, sem espaço nem direito a manifestação, opinião e muito menos contestação, nos perpassava o espírito como uma lâmina afiada e impune, ao mesmo tempo em que eram pisoteados os mais nobres valores históricos da nacionalidade.

Não li nem vou ler o fruto bastardo daquele projeto vil e usurpador; é-me bastante o título que lhe foi dado: A Guerra do Fim do Mundo. A resposta mais imediata, se tivéssemos ao menos uma oportunidade de encarar o autor frente a frente, seria: Fim do mundo é a puta que o pariu, seu Llosa. É que, no pensamento idealista burguês, do qual esse vago Llosa vem sendo apresentado como culminância de sua expressão intelectual, tudo o que fica a mais de seis léguas de suas sedes de poder metropolitanas (pode-se ler também “sedes [ê] de poder”), sem rodovias asfaltadas para suas limusines ou aeroportos para seus jatinhos, é o “fim do mundo”. Sobre esse “pensamento”, anota, de passagem, Álvaro Vieira Pinto: “A exigência da overture idealista para o concerto sociológico é uma imposição do pensamento metropolitano, que bem sabe ser a sociologia que lhe importa compor e executar por uma orquestra filarmônica nada mais do que a expressão refinada da ideologia da elite dominante. A qual constitui a única a apresentar uma imagem justificadora de suas operações como grupo social e das sujeições conquistadas nas regiões atrasadas do mundo - caridosas manobras, até a aceitação e o aplauso das vítimas, as grandes massas trabalhadoras, exatamente no momento em que as aferroa com o veneno que as paralisa.”

É suspeita essa obsessão de direita e esquerda contra a obra genial de Euclides da Cunha, que o genial Jorge Luis Borges consagrava como a sua predileta entre toda a produção literária latino-americana, além de “a obra prima da literatura brasileira”. Para as esquerdas, Euclides comete o crime inafiançável e imprescritível de não ser marxista e, portanto, “obsoleto do ponto de vista científico”. As direitas oligárquicas nunca lhe perdoaram a paixão que nutriu pelo povo e a terra dos sertões brasileiros; vítimas históricas de seus impiedosos massacres. Não se cansam de importuná-lo no túmulo; depois de trazerem esse pseudo intelectual peruano para usurpá-lo, ainda fizeram uma novela estúpida (na “Globo”!) e um filme cretino, entregue, com todos os recursos, à mediocridade de um cineasta colonizado. Quero deixar bem claro que não vi nenhum desses descalabros. O que importuna a ambos esses poderes em Os Sertões é justamente a proclamação implícita de Canudos como o começo trágico de um mundo novo, a alvorada ensanguentada de um novo tempo... e a descrição mais imponente jamais artística e visceralmente tão bem composta da... luta de classes. A denúncia, em um magnífico e imortal painel literário, com todas as cores e detalhes, de um genocídio: a intolerância metropolitana, burguesa, covarde, contra a resistência heróica e invencível do homem do povo. Como disse Euclides: não houve vitória, ninguém se rendeu. “E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo”. Imperdoável!

Do festejadíssimo escritor peruano, que recentemente preferiu a nacionalidade espanhola, li apenas Pantaleão e as visitadoras, na época do Colégio Estadual, lá pelos anos 1960. Uma obra que, apesar de não ser medíocre e até ser de boa cepa literária, não passa de mero entretenimento, nada mais. Hoje, o senhor Llosa se faz arauto e prior das virtudes do capitalismo, com farto patrocínio para viajar para onde quiser a fim de proferir palestras de exaltação às elites e oligarquias dos países oprimidos. Nelas, afirma que “as únicas sociedades bem sucedidas são as que se desenvolveram sob sistemas capitalistas”. Quer dizer, é um “intelectual” que mente para todos, inclusive para si mesmo, pois não pode ser tão burro assim. Pelo que sei, apesar de tantos confetes e medalhas, desde o seu malogrado A Guerra do Fim do Mundo não escreveu mais nada.

Serve ao caso dele, na medida exata, a sentença de Vieira: “se tu não fostes, e és, sempre fostes; se tu fostes, e não és, nunca fostes.”

Abro este parêntese na sequência de textos que a Gazeta vem publicando porque esse vago Llosa surgiu em Caracas vociferando contra o populismo e outros clichês, e, desafiado por intelectuais venezuelanos a um debate, disse que só debateria com Hugo Chávez. Ora, um presidente da República não pode estar disponível para debater com qualquer um que apareça numa praça vociferando. Mas a mídia hegemônica insiste que Chávez fugiu ao debate. É inacreditável.

Mas o pior, o que de fato motivou esta Gazeta, foi ver Chávez e outros intelectuais que o apoiam em toda a América Latina reconhecerem nesse senhor Llosa, “apesar do que ele hoje é e significa”, outrora um grande escritor por ter escrito A Guerra do Fim do Mundo. Tais equívocos são muito graves e não podem passar batidos.

Estou encaminhando este texto ao site Aporrea.org com a solicitação de, se acharem que devem, o verterem para o espanhol e o publicarem a fim de esclarecer Chávez e a América Latina que o fim do mundo não está nem nunca esteve no Brasil. E que passem a ler as coisas no original, e não em cópias duvidosas ou mal havidas. Peço ainda, se possível, que incluam Os Sertões, de Euclides da Cunha, na coleção das bolivarianas que o ministério da Cultura da Venezuela está publicando. É um texto indispensável àquela coleção. A China de Mao-Tsé-Tung publicou mais de trinta edições de Os Sertões em mandarim.