segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Gazeta em forma de e-meio – Ano Novo 2010

Regalo de Ano Novo

O Sistema Nacional de Orquestras Juvenis e Infantis da Venezuela já se destacava pela nobreza, qualidade e importância da iniciativa desde que foi assumido pelo maestro José Antonio Abreu, há 35 anos. Nos últimos dez anos, recebeu da Revolução Bolivariana um impulso de tal ordem que o transformou em fenômeno mundial.

Segundo o site do Sistema (http://www.fesnojiv.gob.ve), atualmente participam 350 mil jovens e crianças que frequentam seus 180 núcleos de formação musical distribuídos em todo o país. No concerto de estréia do primeiro Centro de Ação Social pela Música, um portentoso edifício de 11 andares inaugurado ano passado em Caracas, que abriga uma enorme sala de concertos super bem equipada e especialmente projetada para execução de performances orquestrais, o presidente Hugo Chávez autorizou recursos para a construção de edifícios semelhantes em cada uma das 24 capitais dos Estados (nove deles já com obras iniciadas), a ampliação da capacidade para até um milhão de jovens e crianças e a criação de tantos núcleos quanto sejam necessários. A formação artística e musical é inteiramente gratuita e aberta a toda criança ou jovem com inclinação para a arte, e, à medida que evolui e se integra no processo, o aluno vai recebendo vários incentivos, como bolsas de estudo, instrumentos musicais, inclusão em conjuntos locais e regionais, colocações profissionais, etc.

“Venezuela semeada de orquestras” é o lema do Sistema que conta com o apoio total do governo revolucionário, o qual fez até aprovar legislação para que cada município, estados e nação sejam obrigados a constituírem suas orquestras, coros e outras formações musicais, em quantidades e dimensões proporcionais ao número de habitantes e aos respectivos orçamentos, criando assim o mercado de trabalho capaz de abrigar o grande número de profissionais que vão sendo formados.

Os resultados do gigantesco investimento não se fizeram esperar: o Sistema mantém hoje nada menos que oito grandes agrupações orquestrais e corais de renome mundial, e a principal delas, a Sinfônica Jovem Venezuelana Simón Bolívar, depois de sucessivas e ovacionadíssimas turnês nos EUA e na Europa, foi incluída pela crítica internacional entre as cinco principais orquestras do mundo.

Ao lado da China, a Venezuela tornou-se um celeiro de músicos de alta qualidade e muitos dos talentos ali revelados já possuem currículos de celebridades internacionais da música contemporânea, erudita e popular, com destaque para o regente Gustavo Dudamel, de 28 anos, que é considerado, sem favores, o maior maestro jovem do planeta e um dos mais importantes diretores de orquestra em atividade na música erudita contemporânea. Sua formação foi feita integralmente pelo Sistema.

Veja a apresentação de lançamento do seu álbum com a Sinfonia Nº 5, de Mahler, pela Deutsche Grammophone: http://www.youtube.com/watch?v=4exocK5kB9w&NR=1

Pelo incalculável valor de seu trabalho de educação musical, o maestro José Antonio Abreu tornou-se também um dos nomes da música erudita mais celebrados em todo o mundo, e tem recebido inúmeras e importantes premiações e condecorações por toda parte. Veja o seu depoimento, na ocasião em que recebeu o prêmio TED, que lhe foi concedido pelo município de Los Angeles, EUA, em fevereiro deste ano: http://www.youtube.com/watch?v=Uintr2QX-TU&annotation_id=annotation_740530&feature=iv

O governo da Venezuela estimula o Sistema a exportar gratuitamente a experiência e os métodos nele desenvolvidos e várias cidades, estados e países já começaram a implantá-lo, com a sua consultoria sem ônus, nos EUA, Europa, Rússia, Cuba e outros países da América Latina. Foi oferecido diversas vezes ao Brasil, inclusive com turnês da mais famosa de suas orquestras e o mais destacado de seus maestros, mas parece que o “sistema” daqui não achou boa idéia. Infelizmente.

O maior sonho deste gazeteiro é que a infância e a juventude brasileiras tivessem a mesma chance dos muchachos venezuelanos, em escala nacional.

Por isto, a equipe da Gazeta, formada por este gazeteiro e Fredera (responsável pela sugestão deste regalo) oferece aos leitores um brinde para este fim de ano e começo de década: o Concerto de Ano Novo 2008, completo, da Sinfônica Jovem Venezuelana Simón Bolívar, com a regência de Gustavo Dudamel, realizado em janeiro do ano passado, em vídeos muito bem gravados pela DW-TV (alemã) que podem ser acessados nos links abaixo, ordenados pela Gazeta na mesma sequência do programa e com os principais créditos artísticos.

É bom de ouvir, é bom de ver, é bom saber.

Ajustem seus fones de ouvido, e boa viagem!


Abraços

Mario Drumond


Concerto de Ano Novo da Sinfônica Jovem Venezuelana Simon Bolívar (SJVSB)

Realizado na sala de concertos do Centro de Ação Social pela Música de Caracas, em 1 de janeiro de 2008. Gravado ao vivo pela alemã DW-TV.

Vídeo 1 (Introducão - ao final deste vídeo, automaticamente se transferirá para o seguinte, e assim, sucessivamente, até o fim do concerto; os demais links seguem para publicar o programa e para o acesso direto a cada performance)

http://www.youtube.com/watch?v=7myRxFGatro&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=0&playnext=1


Vídeo 2 ("Gran Fanfarria", de Giancarlo Castro, com o conjunto de metais da SJVSB)

http://www.youtube.com/watch?v=C1CIlc88LAM&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=1


Vídeo 3 ("Guerra de Secciones", de Félix Mendoza, com o conjunto de metais e percussão da SJVSB)

http://www.youtube.com/watch?v=YQWX6uj-_YI&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=2


Vídeo 4 ("Sensemayá", de Silvestre Revueltas)

http://www.youtube.com/watch?v=BHZE0t10qpA&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=3


Vídeo 5 ("La Conga del Fuego", de Arturo Márquez)

http://www.youtube.com/watch?v=a5mutfzl6qg&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=4


Vídeo 6 (três mambos: "Que Rico el Mambo", "Mambo Nº 5" e "Mambo Nº 8", de Dámaso Pérez Prado)

http://www.youtube.com/watch?v=GouLmkd8HHI&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=5


Vídeo 7 ("La Cabra Mocha", de Pradelio Hernández, com Aléxis Cárdenas Ensamble: Aléxis Cárdenas, Violino; Diego Álvarez, Cajón; Jorge Glem, Cuatro; Gonzalo Teppa, Contrabajo)

http://www.youtube.com/watch?v=TL20cu-QEmI&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=6


Vídeo 8 ("Viajera del Río", de Manuel Yánez e "Vôo da Mosca", de Jacob do Bandolin, com Alexis Cárdenas Ensamble)

http://www.youtube.com/watch?v=K8eVLjH_O40&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=7


Vídeo 9 (Parte 1: "Fuga con Pajarillo", de Aldemaro Romero; solista: Alexis Cárdenas, violino)

http://www.youtube.com/watch?v=j-wXk5R77bE&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=8&playnext=9&playnext_from=PL

Vídeo 10 (Parte 2: "Fuga con Pajarillo", de Aldemaro Romero; solista: Alexis Cárdenas, violino)

http://www.youtube.com/watch?v=qGm5UNtZ6YM&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=9


Vídeo 11 ("La Muerte del Ángel", de Astor Piazzolla, com o Conjunto Atalaya, formado pela Seção de Percussão da SJVSB)

http://www.youtube.com/watch?v=58CKaJKg-Uc&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=10


Vídeo 12 ( "Mambo", de Leonard Bernstein, das Danças Sinfônicas de "West Side Story", versão do bis)

http://www.youtube.com/watch?v=mUKWo6M6NPY&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=11


Trailer de "A promessa da música" (Documentário de Enrique Sánchez Lansch, produzido pela DW-TV, Alemanha, 2008)

http://www.youtube.com/watch?v=G3AWMSVNWCs&feature=PlayList&p=38CE9FD46F6EDEEC&index=12

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 111 – Especial

Caro José Sette,

Respondo, pela Gazeta, ao seu texto de justo desabafo, que segue na íntegra (e com os erros corrigidos), porque creio que o papo seja de interesse geral e as informações nele contidas são importantes e devem ser divulgadas. Suprimi apenas a crítica de Luiz Rosemberg, pois já a publiquei aqui. Começo por uma frase que o saudoso Rogério Sganzerla gostava de citar, parafraseando Fidel Castro, mesmo sabendo que ela não diminuirá o seu desânimo e até corro o risco de que ela o aborreça ainda mais.

Mas vou insistir: “a História está a nosso favor”.

Com ela, eu quero lembrá-lo de que você não está só, que o seu caso não é único e que eu me considero tão penalizado quanto você e os demais companheiros que atravessamos o interminável deserto sem miragens (isto é, sem visões, sem cinema) em que se transformou a comédia desumana da criação nacional, na infeliz quadra das três últimas décadas.

Não é que antes estivéssemos em terras férteis; já nos havíamos com um deserto, mas, com belas miragens e alguns oásis. Lembro-me bem que, juntos, no último oásis em que se constituiu a Oficina Goeldi, quando, em 1980, abrigou o Encontro de Cinema Independente que o Sylvio Lanna agitou aqui em BH, tentamos – e conseguimos – plantar coisas, e fazê-las vingarem. Nós, que na juventude recusamos vender nossas almas ao diabo acreditando que seríamos capazes de resgatar o mundo de suas mãos, enfrentávamos de peito aberto todas as tormentas, e de muitas saímos vitoriosos – e como! E foi assim, cada um por sua via, mas ambos crédulos, sem mais nada a não ser a confiança em si mesmos, é que adentramos corajosamente o deserto, esse labirinto sem paredes, em que ainda permanecemos buscando uma saída.

Quando, depois de alguns passos irreversíveis na aridez espinhosa em que nos metemos quase sozinhos, percebemos a derrota, até tentamos negociar com o diabo, mas era tarde... Eu, mudando-me com a Oficina Goeldi para São Paulo e, anos depois, para o Rio. Você, entregando de mão beijada a sua obra cem por cento brasileira e a sua própria carreira de cineasta nas mãos de Mefisto em pessoa, na doce crença, talvez por não ver outra alternativa no horizonte, de que, por um milagre que jamais aconteceu, ele se tornaria o seu anjo da guarda. A ambas, obra e carreira, Mefisto desde então sequestrou do público (pagante e não pagante). O inferno só negocia com carne fresca e tenra, José, e nós já estávamos para lá de maduros. Mesmo sabendo que este inferno latino-americano é um inferno subdesenvolvido, morno e que só tem para negociar mal resolvidas questões de pecúnia (nunca a Glória – esta é capital exclusivo dos diabos do norte), nós queríamos, sim, e tentamos negociar. E só conseguimos a lista negra, compadre.

No entanto, se não podemos culpar a ninguém, exceto a nós mesmos, pelos dissabores que sofremos, não caminhamos em vão: se ainda não vingaram nem deram frutos os nossos plantios dessa quadra, a verdade é que em nenhum momento deixamos de cultivar sementes raras, bravas e resistentes que haverão de brotar mesmo no deserto e alimentar os passos peregrinos dos que virão depois de nós. É a História. Nós enganamos o diabo, José. Amaxon é filme para uma platéia futura, a que um dia renascerá da que morreu com Glauber Rocha, em 1981.

Cuba tem sérios problemas estratégicos para enfrentar e não pretende aumentá-los escolhendo filmes brasileiros para seus festivais de cinema. Mais fácil para Cuba é deixar que o diabo daqui o faça. Por sinal, o mesmo que decide quais filmes entram no festival potiguar, no das peruas de Tiradentes e no de Quixeramobim. Você crê que alguém decide o que da produção nacional vai ser exibido nas telas, as pequenas e as grandes, daqui e de fora, a não ser ele (ou “eles”, como diria o Fredera)?

Recordo-me que, no Encontro de Cinema Independente, era forte o espírito do Glauber, mesmo sem que estivesse presente, e o Sérgio Santeiro fez uma inesquecível defesa da obra dele, desfazendo muitos dos aspectos negativos da criativa polêmica que então se travava entre Glauber e os independentes, com as proas de Júlio e de Rogério.

O Festival de Brasília de 1981, que, com Um Sorriso Por Favor, ganhamos com valentia oswaldiana e glauberiana, foi o primeiro sem Glauber, que fora assassinado há poucos meses, e ali percebemos, como nunca antes, a falta que ele fazia (e faz!). Glauber possuía o dom inigualável de denunciar, desmascarar e desmontar, com impiedosa habilidade, toda a charlatanice velhaca dos que tentam frustrar, fraudar ou mudar a História, como os atuais organizadores de festivais que nada sabem ou não aprenderam daqueles que os antecederam e que deveriam reverenciar - para citar só alguns: Cosme Alves Neto, Wilson Coutinho, Frederico Morais, Ronaldo Brandão, entre outros mestres em arte e cinema que tivemos o privilégio de conhecer de perto, e recebendo deles a consideração e a admiração com que sempre contemplaram a nossa ousadia criadora.

O que já é definitivamente História e que muito nos orgulha. Por que alguém tentaria frustrar, fraudar ou mudar a História, se nenhuma dessas pretensões é possível de realizar-se, uma vez que o passado é imutável?

Elementar, meu caro leitor: é que a História está contra “eles”.

José, receba a solidariedade deste seu companheiro de sucessos e desditas; você, exímio escritor audiovisual, não precisa se desculpar por erros de ortografia e digitação.

Um forte abraço do

Mario Drumond


Segue a íntegra de seu desabafo:


AMAXON

Não queria mais falar sobre o complexo e misterioso sistema que movimenta o cinema brasileiro, mas, com as últimas notícias recebidas, não posso me furtar a algumas verdades e tenho que escrever, talvez, um último libelo sobre a ignorância dos organizadores de mostras e festivais de cinema por todo o país e também no exterior.

O cinema, para mim, mais que a literatura, é uma leitura sofisticada do saber humano aos olhos de um observador atento. Um observador que saiba ver e tenha visões.

Alguns observadores são distintos: um intelectual bem informado; um bom artista; um ser inteligente, alguns pretensiosos, outros destrutivos; um crítico pernóstico, invejoso; um taumaturgo apaixonado pela magia do audiovisual; um déspota disposto a por fogo em Roma; um anarquista desordeiro; um músico sensível e outro ordinário; um pintor de quadros e outro de paredes; um burocrata arrogante; um profissional libertino; um liberal punheteiro; prostitutas e madames, autores e estrelas. Qual destes personagens viu Amaxon?

Para cada espécie de observador existe um texto, um filme específico, que na certa ele vai se identificar e gostar, mas a grande maioria dos que observam a grande tela são diletantes, pessoas que entram na sala de cinema levadas pela mídia, hoje massacrante, das grandes empresas de comunicação.

Essas pessoas, da classe média, que não passam de 12 milhões de espectadores, fazem o público alvo para os grandes sucessos dos filmes nacionais e estrangeiros. São eles que geram o aumento da fortuna daqueles privilegiados que já estão muito ricos, produtores e exibidores, pois continuam produzindo no Brasil os seus filmes comerciais com os milhões necessários da renúncia fiscal. Pergunto: por que não se cria um cine-banco de investimento para os filmes que pretendem conquistar o grande público?

O processo político-cultural precisa urgentemente de uma reforma de base.

Digo isso para mostrar que os festivais de cinema no Brasil, também produzidos com valores superiores a um milhão de reais e incentivados com dinheiro da renúncia fiscal, deveriam continuar a existir, mas redirecionados ao observador atento às novidades do mundo cinematográfico, atento para o novo, em termos de estética e de linguagem, e tudo mais que o cinema contemporâneo e de invenção feito no país está criando - são geralmente filmes de baixíssimo orçamento, novos e experimentais -, e não unicamente direcionar o olhar inteligente para os filmes que têm todas as mídias à disposição, com lançamento simultâneo em salas por todo Brasil. Para que eles precisam dos festivais?

Não estamos falando de impedir que as grandes produções sejam exibidas nos grandes e pequenos festivais - são mais de cem festivais no Brasil -, mas, sim, de que cada festival tenha espaço para o cinema inventivo, visionário, poético, diferente daquilo que o público está acostumado. Um cinema de artesão. Na questão do filme Amaxon, meu único interesse era de exibi-lo, de graça, para um público seleto que freqüenta os festivais – nada mais.

Nunca se deveria recusar a exibição de um filme como este, que é, no mínimo, uma nova contribuição ao pobre universo das artes cinematográficas brasileiras, especialmente por ele ter sido realizado por um diretor – produtor – fotógrafo – roteirista – editor experiente e consagrado, com mais de vinte filmes de longa, média e curta metragem produzidos, alguns deles até bem premiados. Alguma coisa anda errada com as cabeças do poder neste país.

Faz muitos anos que não mandava meus filmes a nenhum festival de cinema. Eu já sabia quais eram os critérios adotados por todos eles – a exibição e seleção única dos filmes que possam interessar ao grande público, excluindo todos os outros que possam criar polêmicas desnecessárias e incômodas para a indústria do entretenimento.

Por insistência da família, preocupada com o meu isolamento, pedi ao jovem fotógrafo do meu filme que remetesse um DVD para os últimos três festivais que, no final deste ano, apresentavam-se abertos a novas inscrições. Pareceu-me interessante a experiência: Cuba – Natal – Tiradentes. E me preparei para o pior, pois fico arrasado quando recusam o óbvio irrecusável.

É quase um acinte: o filme foi sumariamente recusado, como eu previa, pelos três festivais.

Recusado três vezes pela ótica mercantilista, retrógada, mesquinha, insensível, colonizada, cega e estúpida de observadores de porta de festival, desatentos; principalmente os nacionais, como os de Natal e de Tiradentes. Pensando bem, eles estão certos em recusar o meu filme – polêmico, anarquista, novo, inteligente, poético, inventivo, provocador – diferente de tudo que tenham assistido.

Amaxon, para um amador, é hostil, hermético; é difícil aceitá-lo. Eu é que estou errado em ter mandado às considerações deles minha pequena obra-prima. Mas a recusa de Cuba, em mim, foi a que causou o maior espanto. Eles podiam até não gostar do filme, talvez, por não entenderem ou se sentirem agredidos com o enorme caralho que avança na mão de uma donzela angelical, numa dança erótica, em direção ao assustado burguês. Ou, quem sabe, chocados com a poesia louca, abstrata e inventiva da criação? Mesmo assim não tinham o direito de excluir um filme que é libertário, e também de vanguarda, e posso até dizer, comunista, pois trata o texto poético do massacre capitalista contra a liberdade de criação de uma escritora, uma artista, encurralada pela vida.

Espero que a cópia em DVD deste filme caia em boas mãos, nos bastidores da burocracia e seja pirateado, para que muitas pessoas, independente da censura dos festivais, possam assisti-lo. Pois, na certa não ficarão imunes ao que ele tem para dizer.

Quanto a vocês, organizadores de festivais estatais do cinema brasileiro, que nunca fizeram cinema, mas que vivem e muito bem dele e estão sempre acompanhados por jovens burocratas da arte, vampiros oriundos das universidades dos picaretas, vips que se espalham pelos brasis afora, viajando como consultores, censores, selecionadores, jurados e professores de oficinas de cinema, que vivem às custas do erário e que são muitas vezes também financiados por fundações estrangeiras e hostis aos interesses nacionais, é preciso que aprendam a respeitar os artistas mais velhos, os que ainda permanecem rebeldes e iconoclastas, mesmo sem compreendê-los, pois eles representam o seu futuro.

Cabo Frio, dezembro de 2009.

José Sette

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 110 - Especial

Os dois “Pepes” de 29 de novembro

Magistral! É a palavra (com a exclamação) que, na opinião deste gazeteiro, melhor poderia definir a cobertura da TeleSur das duas eleições, melhor dizendo, duas sagas de dois povos tendo por motivo central pleitos presidenciais, ambas importantíssimas para as Américas e o mundo e que se deram domingo passado. Uma no Uruguai e a outra em Honduras. Foi uma aula de jornalismo televisivo da melhor qualidade, e este que aqui escreve, declara, de início, que foi a primeira vez em sua vida que presenciou algo dessa envergadura por televisão, em todos os planos de competência em que podem interatuar o tema e a linguagem: o político, o jornalístico, o intelectual, o profissional, o técnico, o tecnológico, o informativo, o audiovisual e, especialmente, o histórico.

A TeleSur distribuiu bem equipadas e bem preparadas equipes de reportagem nas capitais e em diversos pontos estratégicos do interior dos dois países. Ancorada em Caracas por alguns de seus melhores profissionais de comunicação, muito bem assessorados por analistas e comentaristas do mais alto nível e por uma editoria de pesquisa cuja eficiência e agilidade deixam no chinelo as “grandes” redes mundiais, ela foi capaz de narrar com uma incrível precisão jornalística e com uma impressionante qualidade editorial tudo o que de mais importante, de mais relevante, de maior interesse e de fundamental valor noticioso e informativo ocorreu nas vinte e quatro horas daquele dia histórico, nos dois países, e, praticamente, em tempo real. Demonstrou, assim, que o veículo televisivo, quando utilizado para as suas finalidades mais nobres e essenciais e por uma consciência profissional dedicada, capaz e incorruptível, é uma das mais valiosas ferramentas de libertação através do conhecimento e da informação que a Humanidade jamais teria construído para si mesma. E talvez a mais eficaz.

A História também colaborou enormemente para que os acontecimentos se tornassem mais interessantes e desafiadores ao gigantesco esforço de cobertura a que se propôs a TeleSur e também para que, somente ela, entre todas as demais empresas do gênero em todo o mundo, fosse capaz de enfrentá-lo e vencê-lo com tamanho sucesso.

É que, por uma coincidência sem precedentes, pelo menos até onde pode alcançar a memória deste gazeteiro, nos dois países, situados geograficamente quase que nos extremos opostos do continente latino-americano, e no mesmo dia, aconteceram, em simultâneo, duas jornadas eleitorais de natureza completamente distintas. Dir-se-ia, tal fora o contraste entre os dois acontecimentos, que um era o negativo do outro.

No Uruguai, sulista e oriental, dava-se uma verdadeira festa democrática: era o segundo turno de uma campanha eleitoral que brilhou por suas virtudes realmente democráticas, apesar da desigualdade midiática em favor do candidato derrotado contra o vitorioso candidato das massas populares, apoiado pelo atual governo. E o presidente em exercício, Tabaré Vasquez, deu declarações no local onde votava.

Em Honduras, centro-americana e caribenha, o Império investia todas as fichas que ainda lhe restam de prestígio e força política em Nuestra América numa ditadura que tentava uma farsa eleitoral para se legitimar como “poder democrático”, contra as massas populares revoltadas pelo golpe de Estado que depôs o presidente que elegeram e lhes impôs um estado policial cuja crueldade, estupidez e violência só são comparáveis aos registros mais conspícuos de desumanidade genocida que se conservam na memória histórica das tragédias coletivas. E o presidente deposto, preso na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, ilhada por centenas de militares fortemente armados e com ordens de matá-lo se pisar um pé fora da embaixada, não pôde sequer exercer o direito de votar.

Em comum, nos dois casos, como magistralmente demostrou a TeleSur – com forte impacto mundial que foi capaz até de alterar a agenda da cúpula ibero-americana que se inaugurava também, no mesmo dia, em Estoril, Portugal, e na qual o tema de Honduras estava sendo relegado a planos secundários por inciativa imperial – foi a pujança dos dois povos dos dois pequenos países na luta heróica que travaram, em simultâneo e igualmente inarredáveis no propósito decidido de conquistarem soberania e liberdade.

A grande façanha da TeleSur residiu, principalmente, na competência jornalística de trazer toda a substância da verdade contida nos três parágrafos acima de forma plena e indiscutível. Seus repórteres foram a todas as instâncias do fazer político: movimentos sociais, sindicatos, lideranças de todos os matizes ideológicos e classes sociais, políticos do governo, da oposição e independentes, militares, autoridades e populares de vários níveis hierárquicos e sociais, formando um painél de grande riqueza documental acrescido ainda de material colhido em veículos de mídias comunitárias e alternativas, da mídia hegemônica ou produzido pela própria editoria de pesquisa com vasta iconografia, info-gráficos, filmes de arquivo e o escambáu.

No Uruguai víamos imagens mais comuns ao tipo de evento: muitas bandeiras tremulando, povo nas ruas dançando e cantando lemas e refrões de campanha, agitação nas praças, alegria da vitória e choro da derrota. O carismático líder revolucionário José “Pepe” Mujica, ex-tupamaro, ex-guerrilheiro, preso político por 16 anos, 13 dos quais incomunicável e em regime de solitária, foi o grande vencedor do pleito, com 53% dos votos, contra o oligarca Luis Alberto Lacalle (42%), que, aliás, soube digerir a derrota com a nobreza de um belo discurso de reconhecimento da vitória de seu oponente. Um comparecimento maciço de quase 90% dos eleitores cadastrados auferiu uma legimitade democrática sem precedentes ao resultado do pleito naquele país.

Em contraponto, Honduras vivia uma caricatura pseudo-eleitoral jamais vista em lugar algum. Militares, policiais e mercenários ocupavam as ruas vazias e, se alguma manifestação popular surgisse diante deles, caíam de pau violentamente, atacando-a com jatos de água, bombas de gás, cacetetes e a tiros de bala de borracha e até de balas verdadeiras. Pelo menos um morto, mais de 40 desaparecidos (inclusive crianças) e cerca de três centenas de presos foi o saldo da repressão naquela jornada, dado ainda como parcial por órgãos da resistência e entidades de Direitos Humanos. Os eleitores se recusavam a sair para votar e houve comandos de policiais e de civis armados, os “camisas brancas” (e “calça de qualquer cor”), que os tiraram de casa à força de bombas de gás lacrimogêneo lançadas dentro de seus lares para os levarem às urnas a ponta de fuzil. Desesperados com a abstenção quase total e flagrante, diante de todos os veículos de imprensa presentes, o Tribunal Eleitoral chegou a mudar as regras no meio do jogo e, alegando que não havia mais a tinta indelével com a qual os eleitores deveriam marcar os dedos quando votassem para que não pudessem votar duas vezes, aboliu a necessidade dela, e nisso já passava do meio-dia. Dessa forma, além de facilitar a fraude, neutralizava-se a “manifestação das mãos limpas” que o povo prometia para depois da jornada, exibindo-as, em multidão, à imprensa.

Os comitês de Direitos Humanos que monitoravam por amostragem os locais de votação acusavam uma presença de apenas 17% dos eleitores às duas da tarde, número que subiu para 22% ao final da jornada, mas com denúncias de gente votando até seis vezes na mesma urna e de caminhões e ônibus trazendo salvadorenhos e gualtemaltecos para votarem nas cidades fronteiriças. Pouco antes de fecharem as mesas, a TeleSur mostrou muitas urnas, que eram transparentes, quase vazias. Nenhum órgão idôneo de observação eleitoral aceitou participar da farsa, e os golpistas então convidaram um bando de empresários, mafiosos, narcotraficantes, políticos corruptos, congressistas republicanos dos EUA, lacaios de países diversos, e outras lindezas “democráticas” para exercerem o papelão. Para se ter uma idéia mais amena da qualidade dessa “observação eleitoral”, o “representante” brasileiro convidado foi o deputado federal Raul Jungmann. “Tudo pela democracia!”

Às seis da tarde, Manuel Zelaya falava com a TeleSur por internet e dizia que o Comando da Resistência, através de monitoramento em todas as urnas, verificara um índice de abstenção entre 65% a 70% dos eleitores cadastrados. Os golpistas só apareceram em cena nas primeiras horas do dia, com Micheletti, cercado por vasto esquema de segurança militar, sorridente e exibindo cinicamente para a imprensa o dedo mindinho da mão direita sujo de tinta indelével. Depois, desaparareceram e não eram encontrados em lugar nenhum. Nem os candidatos que aceitaram participar da farsa eram vistos nas ruas ou encontrados pela imprensa. Simplesmente sumiram.

As matérias produzidas na praça em frente ao Tribunal Eleitoral eram feitas por repórteres solitários; não havia uma alma nas ruas de Tegucigalpa, que era um deserto já às oito da noite. Os golpistas só apareceram novamente depois da meia-noite, numa sessão do Tribunal Eleitoral, que mais parecia um velório, para informar à imprensa e “ao mundo” que as eleições foram um “êxito total” com o “comparecimento maciço do eleitorado”, o qual alcançara 61% de presença nas urnas, fato inédito naquela república de bananas, onde o máximo até hoje alcançado foi de 55% dos eleitores na eleição de Zelaya, em 2004, e que, pelas imagens de arquivo exibidas pela TeleSur, transformou Honduras numa só festa popular, com o povo todo vestido de vermelho inundando as ruas de Tegucigalpa e das cidades do interior. Pouco depois daquela “sessão maldita”, o Tribunal declarou a “vitória” de Porfírio “Pepe” Lobo, um empresário mafioso local, com 38% dos “votos válidos”, sem contudo dizerem quantos eram esses votos.

Imediatamente após o comunicado, esse tal “Pepe” recebeu os parabéns e o reconhecimento da sua vitória eleitoral, “pela livre e soberana escolha do povo hondurenho e dentro da mais absoluta normalidade democrática”, por parte dos EUA, Israel, Colômbia, Costa Rica e Panamá, ou seja, quase todo o “eixo do bem”.

Mas de tal “êxito”, eles, os golpistas, os seus mentores e os seus “eleitos”, não têm foto, não têm vídeo, não têm festas, não têm testemunho idôneo. Só o que possuem são as fraudes inconstitucionais, descaradas e falsificadas, desde a célebre “carta de renúncia” de Zelaya, os encômios de seus próprios e desacreditados veículos de mídia, e... a Quarta Frota, esta, sim, como diria o velho Sette de Barros, “um argumento de peso”.

Quanto ao “Pepe” uruguaio, cercado por centenas de milhares de seus compatriotas em meio a festejos e foguetórios até altas horas da madrugada em Montevidéu, debaixo de uma chuvarada, desses países que se proclamam exemplos de democracias, nem um “boa sorte” recebeu. Mas a internet foi inundada de mensagens de congratulações por parte das democracias do mundo, encabeçadas pelos países da Alba e América Latina.

No excelente programa de fechamento do intenso dia de trabalho da TeleSur, moderado pela bela e inteligente Patrícia Villegas, e com a participação de vários escritores, intelctuais, jornalistas, artistas e políticos das três Américas e até de Eduardo Galeano, que ainda há pouco tempo se recusava a dar entrevistas a televisões, numa síntese das imagens do dia e nos comentários lúcidos de todos concluiu-se que aquele fora um dia de grande vitória popular nos dois países. E ontem, segunda-feira, Tegucigalpa foi completamente ocupada pelo povo em uma imensa passeata na qual o Comando da Resistência proclamava a sua vitória pela abstenção popular e o não reconhecimento das eleições, as quais considerava um “novo golpe de Estado”. A luta continua.

A Gazeta agradece, TeleSur, e dá os seus parabéns pelo trabalho. Magistral!.