terça-feira, 29 de setembro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 100

A Gazeta 100

Do ponto de vista técnico, a Gazeta é (era) o veículo de comunicação mais eficiente que conheci. Com um só clique em “Enviar”, o seu conteúdo chega (chegava) a cerca de mil computadores de possíveis leitores (no início, uns trezentos). Se, desses, trinta ou quarenta a lessem de fato, já significa(va) um rendimento comunicacional fabuloso para um simples clique, não é mesmo? Nenhum gazetista do século XVII ou XVIII poderia imaginar isso (este que vos escreve ainda se considera um simples gazeteiro; um dia, se puder, ainda se alçará à elevada condição de gazetista).

O tempo pretérito acima colocado entre parênteses significa exatamente isto: tal realidade já era, leitor. Desde a edição de nº 96, a Gazeta passou a sofrer os ataques de uma espécie de polícia que agora atua no ciberespaço com a desculpa de cercear os spams (creio que todos sabem o que é spam). São bloqueios pesados, devolvem não só a Gazeta como os e-mails posteriores às tentativas de envio da Gazeta, e também os e-mails que são enviados ao “suspeito gerador de spams”, estes sem qualquer aviso de retorno aos remetentes, cortando assim toda a possibilidade e o direito do “suspeito” de se corresponder e de informar e ser informado por essa via. O castigo dura uns três ou quatro dias, depois do que liberam o “suspeito”. As mensagens que lhe retornam partem de sites esquisitos, sem definição clara de quem são os responsáveis; ninguém assina embaixo. Nomes como spamcop e spamhaus (este com uma “sutil” estrela de seis pontas no fundo da página), além de umas derivações de googles e microsofts, assumem o cerco contra o “suspeito”: passam-lhe uma descompostura em inglês e exigem que ele se cadastre e cumpra certos “procedimentos” para que retirem o seu e-mail de suas “listas negras”. Procedimentos estes que o gazeteiro, claro, se recusou a executar.

A empresa que nos provê de servidor web informa-nos que agora e-mails com mais de cem destinatários são bloqueados por ela mesma, e isto num acordo com os demais prestadores de serviços como os dela, na tentativa de evitar a intervenção indiscriminada dos robocops virtuais.

Avisado desse expediente, o gazeteiro enviou as Gazetas 97, 98 e 99 através de uma extenuante operação de partição de sua lista de endereços em 10 diferentes listas para expedir cada uma daquelas Gazetas em 10 repetidos envios com conteúdos rigorosamente idênticos e com as respectivas partições da lista geral. Um trabalho torturante para o pobre gazeteiro que nunca foi afeito a tarefas repetitivas de nenhuma espécie. O que antes fazia com um só clique passou a ser, pelo menos para este que vos escreve, um verdadeiro martírio. Copiar e colar 10 vezes o texto original, selecionar cada uma das 10 sub-listas e colar os respectivos endereços nos locais certos, conferir tudo, ver se nada saiu errado, se não está enviando a mesma lista duas vezes, etc, etc e etc.

E o pior: não adiantou nada! Os robocops atacaram do mesmo jeito. As Gazetas passaram aos destinatários (quase todos), mas o e-mail do gazeteiro, ao que parece pilhado na tentativa de passar pela blitz em três dias seguidos de emissões, se viu novamente bloqueado, e desta vez o bloqueio atingiu o próprio IP da máquina de trabalho do gazeteiro.

O grave disso tudo é que este gazeteiro trabalha com o mesmíssimo e único endereço eletrônico há mais de doze anos e o utiliza para tudo, inclusive no seu ganha-pão.

Tem uma preguiça enorme para administrar tarefas de computador e por isso não deu ouvidos aos inúmeros conselhos que recebera para criar um e-mail só para a Gazeta e os assuntos políticos e ideológicos, deixando neutro e fora do risco de perseguição o endereço de trabalho. Verdade é que, de outra feita, tentou o expediente, mas acabou abandonando-o exatamente pela dificuldade que lhe parece ser congênita: a de exercer tarefas repetitivas e aborrecidas para simplesmente se organizar.

Porém, agora vai ter de encarar essa realidade.

A Gazeta em forma de e-meio tem novo e-mail: mario@cafenovomundo.com.br.

E esta Gazeta nº 100 o inaugura.

Bloqueados ou não, com muito mais trabalho, enfrentando o cerco dos robocops e as encheções de saco que prometem incrementar-se no ciberespaço a fim de cercear as facilidades e as liberdades que nele se geraram à revelia dos que se julgavam seus dominadores, vamos em frente (que atrás vem gente).

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 99

O Socialismo de Invenção (parte 3)

Uma anedota do folclore político da Venezuela conta que o Panteão dos Libertadores, mausoléu construído em Caracas, em 1876, para sepulcro e homenagem permanente a Bolívar e seus companheiros de luta antiimperialista, foi feito para que a oligarquia venezuelana o visitasse uma vez por ano, sempre na data de aniversário do falecimento de Bolívar, para conferir e ter certeza de que ele de fato está morto.

Liberdade, independência e união dos povos, palavras-chave de todo ideário socialista, incluindo o de Bolívar, só causam temor aos impérios - que querem subjugar, colonizar e fragmentar as nações que exploram -, quando são para valer, isto é, se se concretizam em realidades revolucionárias e capazes de ameaçar o statu quo capitalista.

Entre as ideologias socialistas das mais diversas tendências que brotaram durante o século 19 em contraposição aos avanços capitalistas e imperialistas, desde as que propunham práticas comunistas ou anarquistas, ou as que se manifestaram apenas teórica ou filosoficamente, a mais temida e a que de fato ameaçou e ameaça o statu quo capitalista, em nível mundial, é a de Bolívar. Daí a ocultação de sua obra, de suas idéias, de sua história, de sua saga, de sua épica que, em conjunto ou separadamente, quando não superam, se igualam em grandeza geográfica e magnitude histórica aos grandes acontecimentos que se deram durante aquele século em qualquer parte do mundo.

O século 20 olvidou completamente Bolívar na vigência do socialismo científico, que se estabeleceu como sistema de poder para quase metade da população do mundo, e que acabou por fortalecer a hegemonia capitalista e a unipolaridade do poder mundial, coisa que nunca havia ocorrido em tal intensidade. A própria revolução cubana se salvou pelo retorno de Bolívar na Venezuela, com a eleição de Hugo Chávez, e pela capacidade dialética e de autocrítica que demonstraram seus líderes durante o chamado “período especial” (entre a queda da URSS, em 1989, e a posse de Chávez, em 1999).

Para se entender o que ocorre hoje na Venezuela após dez anos de bolivarianismo, fenômeno que já se alastra por toda a América Latina, incluindo o Brasil (mesmo que não nos demos conta disso), é fundamental conhecer a obra de Bolívar. O sucesso indiscutível do processo revolucionário que está causando admiração em todo o planeta, a partir daquele país, antes um obscuro posto-de-gasolina exclusivo dos EUA, se deve à aplicação sistemática, inventiva e atualizadora da ideologia bolivariana, da qual Hugo Chávez é agora o principal teórico, professor e líder.

Uma notável mudança geopolítica está se verificando na América. Graças à internacionalização das duas maiores conquistas da revolução cubana - educação e saúde pública -, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua rapidamente se tornaram territórios livres do analfabetismo e suas populações estão tendo acesso, em massa, ao conhecimento e a uma qualidade de vida nunca antes experimentada. Os índices de pobreza e miséria despencam nesses países e a participação popular nas decisões do poder real aumenta significativamente, e com um nível espantoso de consciência política e de cidadania. Em contrapartida, Cuba recebe de todos esses países a força da união concretizada na ALBA, Aliança Bolivariana para as Américas, à qual outros países do Caribe e América Central se juntaram, entre eles, Honduras, cuja oligarquia em desespero promoveu uma quartelada que está colocando o Império numa saia justa difícil de resolver-se. O contágio bolivariano já alcança o Paraguai e a Argentina, e afeta Brasil, Chile e Uruguai, estes últimos ainda num meio-de-campo “moderado”, blasé, mas não podem ficar fora de um processo com tamanha grandeza e repercussão no continente. Apenas Peru e Colômbia, cujos governos se dissociaram de tal forma de seus povos, e parecem implorar a condição de protetorados do Império, fingem que não vêem a avassaladora maré bolivariana.

E o que é mais novo em tudo isso, até para o pensamento bolivariano, é que se trata, pela primeira vez na história, de uma revolução pacífica e vitoriosa.

Estudemo-la para apoiá-la, pois. E nela participarmos.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 98

O Socialismo de Invenção (parte 2)

Simon Bolívar não se propunha um teórico e nem escreveu uma teoria estruturada metodologicamente. Suas idéias foram produzidas na dialética do conhecimento, na observação inteligente da realidade sul-americana e nas experiências políticas e militares em que se envolveu de corpo e alma, a partir de uma intuição muito aguda e da vasta cultura que adquiriu ao longo da sua vida. Produziu, assim, uma obra extensa que se espalha em mais de dez mil documentos escritos, de toda espécie: cartas, jornalismo, manifestos, mensagens, discursos, doutrinas militares e políticas, legislações, decretos, projetos constitucionais, etc. Em todos, até em cartas de amor, jamais deixou de incluir pensamentos inovadores e originais que, coligidos, formam o corpus de um pensamento de enorme importância universal, sob os aspectos político, econômico, social, humanista e, antes de tudo, socialista, revolucionário, libertário, e de tal maneira visionário que só agora, no século 21, no bicentenário de sua autoria, é que começa a ser de fato entendido e aproveitado em favor da realidade americana e mundial.

É bastante a leitura de alguns de seus textos mais célebres para perceber que Bolívar é o precursor do que aqui chamamos Socialismo de Invenção, que já demonstra superar o socialismo científico, e promete ser o que logrará, enfim, alicerçar a revolução socialista de que a Humanidade necessita para se safar da autodestruição capitalista e conquistar a harmonia existencial com o planeta Terra, e, portanto, a própria sobrevivência nele pelo tempo em que o destino cósmico do nosso sistema solar o permitir.

“Uma importante espécie biológica está em risco de desaparecer pela rápida e progressiva liquidação de suas condições de vida: o homem” – advertia Fidel Castro num pronunciamento na ONU, em 1992.

Bolívar começou cedo, aos doze anos de idade, como discípulo de Simon Rodriguez, sábio historiador e professor que, como pensador, pode ser classificado entre os socialistas utópicos, ainda que desiludido: “Quis fazer da terra um paraíso para todos, e a fiz um inferno para mim”, sentenciou ao fim de sua longa vida. Neste “paraíso para todos” estava a sua ilha de utopia. Ainda assim, Simon Rodriguez e sua obra foram de fundamental importância para o processo libertário latino-americano em particular quando demonstrou, com pioneirismo, a necessidade de sermos originais em nossa América: “Veja a Europa, como inventa; veja a América, como imita. Por que só não imitamos o que da Europa se deve imitar: a originalidade”. Ou inventamos ou erramos, era o seu lema, que também foi o título de uma de suas obras mais decisivas e mais influentes na formação de seu discípulo Bolívar.

A partir das lições do mestre, Bolívar estruturou seu pensamento e ação revolucionária para o propósito da “criação de uma sociedade inteira” na América; porém, o fez sem aquele idealismo utópico que iludira o mestre, mas, sim, com uma leitura crítica da Humanidade, cujo ceticismo - de quem não aceita de forma alguma mentir, nem para si mesmo -, o aproxima das análises críticas de Maquiavel e de Tucídides:

“A natureza, para falar a verdade, nos dota, ao nascer, do incentivo da liberdade; mas seja por negligência, seja por uma propensão inerente à humanidade, a verdade é que ela repousa tranquila, ainda que presa às amarras que lhe são impostas. Ao contemplá-la neste estado de prostituição, parece que temos motivos para nos persuadirmos de que a maioria dos homens tem por verdadeira aquela humilhante máxima, que mais custa manter o equilíbrio da liberdade do que suportar o peso da tirania. Oxalá esta máxima contrária à moral da natureza fosse falsa! Oxalá esta máxima não estivesse sancionada pela indolência dos homens em relação aos seus direitos mais sagrados!”

Se não caiu na ilusão utópica que estimulou os anseios de felicidade e igualdade social e, portanto, o pensamento socialista que o antecedeu, tampouco Bolívar embarcou no cientificismo que começava a entrar em moda entre os pensadores de sua época, e que acabou predominando até há poucos anos, quando ruiu junto com o muro de Berlim: “difícil apreciar onde termina a arte e principia a ciência”, pensava. Não encampou a idéia, que começava a vicejar, redutora dos processos libertários a fatores meramente econômicos, ainda que não desprezasse tais fatores, nem cogitou que para conquistar a vitória revolucionária era bastante a apropriação dos meios de produção pela luta armada contra a burguesia capitalista. Seu pensamento ia muito mais longe; para ele, a liberdade haveria de ser, antes de tudo, uma conquista do saber, ou seja, uma conquista cultural e moral:

“Dominaram-nos pelo engano mais que pela força; e pelo vício degradaram-nos mais que pela superstição. A escravidão é filha das trevas; um povo ignorante é um instrumento cego de sua própria destruição; a ambição, a intriga, abusa da credulidade e da inexperiência dos homens alheios de todo conhecimento político, econômico ou civil: adotam como realidades as que são puras ilusões, tomam a licenciosidade pela liberdade, a traição pelo patriotismo, a vingança pela justiça”.

Com argumentos demolidores contra a escravidão e a ignorância dos povos, fatores que, desde a antiguidade até a sua época ainda eram aceitos como “fatores naturais”, uma vez que “os homens nascem diferentes”, Bolívar começou pela libertação dos escravos e focou no acesso das massas populares à educação, ao conhecimento e à cultura a sua estratégia revolucionária. Em pouco tempo, suas idéias, e a prática libertária que delas se seguiam, desesperavam os impérios europeus que haviam “descoberto”, na América Latina, a mais suculenta fonte de saqueio de todos os tempos: o espanhol, contra o qual lutou diretamente e que expulsou em definitivo; o inglês, que, através dos Estados Unidos, retrucou com a Doutrina Monroe; e é bem provável que o “aventureiro” a que D. João VI se referira a Pedro I em seu célebre conselho de pai para filho, teria sido Bolívar, que, na época, já descia pelo cone sul criando e libertando nações, temido pelas elites e oligarquias coloniais como se fosse um novo Napoleão, figura histórica que já escaldara o assustadiço império português.

Bolívar tratava de inventar a Gran Pátria, americana por excelência, com personalidade própria e diferente dos modelos de República então conhecidos. Pensava e punha em prática idéias inovadoras e proto-socialistas através de inflamada oratória e de artigos jornalísticos, a que acompanhavam manifestos, legislações e projetos constitucionais que se balizavam por um estado laico e respeitoso das liberdades religiosas, de plena e efetiva igualdade democrática e racial, sem escravidão, sem despotismos, sem corrupção, estruturado em um forte e prioritário investimento público em educação de qualidade para todos, independente de berço, credo, raça ou classe social.

“Ser culto para ser livre”, sintetizou assim a ideologia de Bolívar um dos mais célebres bolivarianos históricos, aquele que se tornaria o gênio libertador de Cuba: o poeta, escritor, pensador e guerrilheiro José Martí. Bolívar lutava pelo direito de cada nação, cada povo, construir a sua própria pátria socialista, criando e inventando, com base em suas culturas e costumes, o verdadeiro Estado nacional, que nunca seria o ideal, mas o real, o mais próximo da verdade endógena que se gesta numa nacionalidade. “Cada povo, cada nação, tem o direito de inventar e construir a sua própria pátria; e, se o fizer, esta pátria será uma pátria socialista e democrática” – costuma dizer Hugo Chávez, citando Bolívar.

Ou inventamos ou erramos.

A obra de Bolívar não cabe avaliar nem analisar em profundidade em nosso minúsculo espaço de comunicação, que, nestes artigos, se propõe apenas a divulgá-la. Mesmo assim, chamamos para uma terceira e última parte, a seguir, na próxima Gazeta, onde comentamos algumas de suas conseqüências históricas e atuais.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 97

O Socialismo de Invenção (parte 1)

Os teóricos do socialismo, apesar das inumeráveis divergências ideológicas que, não raro, chegam ao antagonismo, parecem unânimes em classificá-lo historicamente em duas únicas fases ou ciclos em que se tenha manifestado, como pensamento, ao longo dos tempos, tal como Oswald de Andrade, em A Marcha das Utopias, assim os define:

“(...) o chamado Socialismo Utópico, aberto com a obra de Morus e que, superado, chega, no entanto, até o século XIX, quando o francês Cabet publica a sua Viagem à Icária, último país onde o puro sonho igualizante encontrou guarida e afago. (...) Com o Manifesto de Marx e Engels anuncia-se o novo ciclo - o do chamado Socialismo Científico. "

Nessa série de textos, Oswald pugnava por um reconhecimento da contribuição dos “utópicos”, que, apesar de teoricamente superados, são equivocadamente vistos com preconceito por parte dos “científicos”. Para ele, as utopias são "uma consequência da descoberta do Novo Mundo e, sobretudo, a descoberta do novo homem, do homem diferente encontrado nas Américas".

“A geografia das utopias situa-se na América. É um nauta português que descreve para Morus a gente, os costumes descobertos do outro lado da terra. Um século depois, Campanella, na Cidade do Sol, se reportaria a um armador genovês, lembrando Cristóvão Colombo. E mesmo Francisco Bacon (possivelmente Shakespeare), que escrevia A Nova Atlântida em pleno século XVII, faz partir a sua expedição do Peru”.

A não ser A República de Platão, que é um estado inventado, todas as utopias, que vinte séculos depois apontam no horizonte do mundo moderno e profundamente o impressionaram, “são geradas da descoberta da América; o Brasil não fez má figura nas conquistas sociais do Renascimento”, deduzia.

Assim, até Oswald, que pensava e escrevia à contracorrente das ideologias dominantes, de “direita” ou “esquerda”, participava da unanimidade aqui assinalada. Chama a atenção o fato de que ambos os ciclos se originam no pensamento europeu, aliás, única região do globo de onde se origina todo e qualquer pensamento aceito como válido e digno de estudo pelas elites da inteligentzia européia e de suas colônias.

Mas a verdade é que o socialismo científico está superado também, e, se o socialismo utópico nos deixou o legado de suas elucubrações humanistas, igualitárias, poéticas, além de muitas boas idéias, o científico, se bem peneirado, não logrou ser tão fértil em enriquecer de idéias a Humanidade. E a Europa, hoje, é vazia de proposições.

Se vivesse mais tempo, Oswald teria alcançado seu alvo; estava bem perto disso: o caminho ideológico do novo mundo, que ele conheceu e trilhou enquanto pensamento cultural e filosófico, desde jovem, isto é, o do pensamento europeu que veio para a América, aqui se fundiu ao socialismo e à cultura autóctones, milenares ambos, e, ao receber a imensa contribuição africana, tornou-se o pensamento socialista americano, por excelência (não confundir com pensamento norte-americano, que é o mesmo pensamento europeu, sem tirar nem por – não há nada menos americano nas Américas, atualmente, do que os EUA e o Canadá). Darcy Ribeiro trilharia esse caminho.

Há o que se tem chamado de Socialismo do Século 21 ou Socialismo no Século 21, termo tido por confuso ou indefinido pelos que pensam sob a égide do socialismo científico e, como tal, exigente de classificações e definições precisas, “exatas”, para tudo, como se isto fosse possível quando se trata de estudar seres humanos e sociedades.

Erroneamente, este Socialismo do (ou no) Século 21 é atribuído a Hugo Chávez, mas Chávez, se até se refere a ele em certas passagens de sua oratória, jamais se postulou como autor da expressão, a qual não pode ser dada como nome de uma escola de pensamento; quando muito, poderia titular um projeto político para o novo século que apenas se inicia. O socialismo a que Chávez se propõe está relacionado com o momento histórico a que acima nos referimos, e seus fundamentos na saga de Bolívar e dos seguidores de sua doutrina libertária em toda a América Latina. Que Bolívar era um pensador socialista, disso não pode haver dúvidas, mas a questão é que não é possível classificá-lo nem como socialista utópico nem como socialista científico.

Modestamente, a Gazeta propõe a designação de Socialismo de Invenção a este que, desde Bolívar até Chávez é o que se vem realmente desenvolvendo, entre marchas e contra-marchas, na América Latina, e que tem por precursor regional a Inconfidência Mineira, mesmo que estudiosos acadêmicos não tenham se preocupado em estudá-lo, classificá-lo ou designá-lo enquanto sequência de fenômenos sociais e históricos de natureza ideológica, muito menos de uma ideologia socialista.

Oswald debruçou-se brilhantemente sobre a Inconfidência Mineira com o enfoque ideológico, já da luta de classes e da opressão imperialista, e excluiu George Washington (“um senhor de escravos que proclamou a liberdade dos senhores de escravos”) da classe dos “libertadores”. Como ele, uma plêiade de pensadores latino-americanos desprezados pelo pensamento colonizado e colonizador tratou os movimentos libertários em suas respectivas regiões e nações deixando-nos importantíssimos legados. Mas na mesma América Latina, na América do Norte e na Europa, a questão ideológica e o processo histórico da Nuestra América sequer são considerados nas elites acadêmicas e pelo pensamento submisso ao ideário imperialista.

Por que a Gazeta chama Socialismo de Invenção ao pensamento fundado por Simon Bolívar começaremos a responder na próxima edição, a partir de amanhã.