quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 99

O Socialismo de Invenção (parte 3)

Uma anedota do folclore político da Venezuela conta que o Panteão dos Libertadores, mausoléu construído em Caracas, em 1876, para sepulcro e homenagem permanente a Bolívar e seus companheiros de luta antiimperialista, foi feito para que a oligarquia venezuelana o visitasse uma vez por ano, sempre na data de aniversário do falecimento de Bolívar, para conferir e ter certeza de que ele de fato está morto.

Liberdade, independência e união dos povos, palavras-chave de todo ideário socialista, incluindo o de Bolívar, só causam temor aos impérios - que querem subjugar, colonizar e fragmentar as nações que exploram -, quando são para valer, isto é, se se concretizam em realidades revolucionárias e capazes de ameaçar o statu quo capitalista.

Entre as ideologias socialistas das mais diversas tendências que brotaram durante o século 19 em contraposição aos avanços capitalistas e imperialistas, desde as que propunham práticas comunistas ou anarquistas, ou as que se manifestaram apenas teórica ou filosoficamente, a mais temida e a que de fato ameaçou e ameaça o statu quo capitalista, em nível mundial, é a de Bolívar. Daí a ocultação de sua obra, de suas idéias, de sua história, de sua saga, de sua épica que, em conjunto ou separadamente, quando não superam, se igualam em grandeza geográfica e magnitude histórica aos grandes acontecimentos que se deram durante aquele século em qualquer parte do mundo.

O século 20 olvidou completamente Bolívar na vigência do socialismo científico, que se estabeleceu como sistema de poder para quase metade da população do mundo, e que acabou por fortalecer a hegemonia capitalista e a unipolaridade do poder mundial, coisa que nunca havia ocorrido em tal intensidade. A própria revolução cubana se salvou pelo retorno de Bolívar na Venezuela, com a eleição de Hugo Chávez, e pela capacidade dialética e de autocrítica que demonstraram seus líderes durante o chamado “período especial” (entre a queda da URSS, em 1989, e a posse de Chávez, em 1999).

Para se entender o que ocorre hoje na Venezuela após dez anos de bolivarianismo, fenômeno que já se alastra por toda a América Latina, incluindo o Brasil (mesmo que não nos demos conta disso), é fundamental conhecer a obra de Bolívar. O sucesso indiscutível do processo revolucionário que está causando admiração em todo o planeta, a partir daquele país, antes um obscuro posto-de-gasolina exclusivo dos EUA, se deve à aplicação sistemática, inventiva e atualizadora da ideologia bolivariana, da qual Hugo Chávez é agora o principal teórico, professor e líder.

Uma notável mudança geopolítica está se verificando na América. Graças à internacionalização das duas maiores conquistas da revolução cubana - educação e saúde pública -, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua rapidamente se tornaram territórios livres do analfabetismo e suas populações estão tendo acesso, em massa, ao conhecimento e a uma qualidade de vida nunca antes experimentada. Os índices de pobreza e miséria despencam nesses países e a participação popular nas decisões do poder real aumenta significativamente, e com um nível espantoso de consciência política e de cidadania. Em contrapartida, Cuba recebe de todos esses países a força da união concretizada na ALBA, Aliança Bolivariana para as Américas, à qual outros países do Caribe e América Central se juntaram, entre eles, Honduras, cuja oligarquia em desespero promoveu uma quartelada que está colocando o Império numa saia justa difícil de resolver-se. O contágio bolivariano já alcança o Paraguai e a Argentina, e afeta Brasil, Chile e Uruguai, estes últimos ainda num meio-de-campo “moderado”, blasé, mas não podem ficar fora de um processo com tamanha grandeza e repercussão no continente. Apenas Peru e Colômbia, cujos governos se dissociaram de tal forma de seus povos, e parecem implorar a condição de protetorados do Império, fingem que não vêem a avassaladora maré bolivariana.

E o que é mais novo em tudo isso, até para o pensamento bolivariano, é que se trata, pela primeira vez na história, de uma revolução pacífica e vitoriosa.

Estudemo-la para apoiá-la, pois. E nela participarmos.