quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 106 - Especial

No contexto das reflexões do gazeteiro

Acabo de receber o texto jornalístico-crítico que reproduzo integralmente logo em seguida a esta introdução. Ele reflete um tipo de jornalismo a que estávamos habituados a frequentar nas páginas dos grandes jornais nas décadas de 60/70, e que hoje só é possível encontrar em certos sites da internet ou em publicações alternativas de pouca ou insignificante audiência. É o verdadeiro jornalismo, substanciado em conhecimento, inteligência, domínio da arte, interesse no fato, opinião independente e preocupação em bem informar o leitor. Não há mais esse tipo de jornalismo na mídia hegemônica. Eis porque são vários os bons autores que vêm tratando o assunto da morte da “grande” imprensa, como já assinalamos antes.

Neste caso, trata-se da crítica de um filme que, naquela época, estaria em cartaz em grandes casas de cinema - o leitor já o teria visto ou poderia vê-lo no mesmo dia, se quisesse, e, concordando ou não com as opiniões do jornalista, o certo é que estava servido de uma informação de alta qualidade sobre o fato cinematográfico em questão. Ainda no caso, este gazeteiro teve acesso ao copião do filme quando em fase final de montagem, antes da estréia dele no último Festival de Inverno de Ouro Preto, a que não pôde estar presente, e concorda desde já com as opiniões do crítico, mesmo que ainda não conheça a fatura final da obra.

Mas, também, não há mais os cinemas, enquanto grandes casas de espetáculos; o que há são salas ou saletas, em geral dentro de shopping centers, e a maioria incapaz de realizar uma boa projeção. Ademais, tais filmes jamais serão exibidos nelas, exceto em raríssimas exceções. A última vez que este gazeteiro esteve em uma delas, teve de deixar a sessão no meio, pois agora é comum pessoas entrarem nessas saletas com um balaio de pipoca de micro-ondas e um balde de coca-cola. O barulho da ruminação e o fedor no interior da sala tornam a sessão insuportável, seja o que for que estiver sendo projetado na tela. Como agora temos os DVDs, é preferível ver os bons filmes no recolhimento protetor da nossa própria toca.

O texto que se segue, por si só, enquanto tal e como texto jornalístico, mesmo que o leitor muito longinquamente ou por muita sorte possa um dia ver a obra cinematográfica de que trata, ainda assim a divulga, e, de certa forma até a difunde através da linguagem literária intrínseca ao bom jornalismo. Além do que, está no contexto desta sequência de reflexões da Gazeta e se insere perfeitamente, em modo não linear, no pensamento que aqui desenvolvemos. Ei-lo:

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AMAXON, UMA ODISSÉIA NA CRIAÇÃO PENSADA

Em memória de Jairo Ferreira

“ Uma coisa são sempre duas: a coisa mesma e a imagem dela. ”
(Carlos Drummond de Andrade)

Talvez tenhamos nos transformado nessa máquina horripilante de negação dos sonhos! E no que trituraram todas as singularidades, fomos transformados num exército de múmias, de burocratas, de deslumbrados e idiotas. Uma nova encenação do que seja, não pode ser mais uma condenação à nociva prostituição, achatada à TV. Deve-se ousar na desarmonia, do desnudamento da carne e do abandono na subjetividade. Ora, se o cinemão se realiza sem subjetividade criativa alguma, a nós deve interessar fundamentalmente uma nova linguagem gerada na teatralização de transcendências. Acrescente-se a isso que o país vive do seu esvaziamento há 509 anos, e mais programadamente há 45 anos. Ou seja, desde o golpe militar de 1964. Ora, como purificar artesanalmente esta quantidade infindável de urina e excremento?

AMAXON é um esforço poético-radical, para nos fazer pensar na complexidade do processo criativo. Ora, de que nos adianta fazer trabalhos de encomenda? Cinema virou filminho publicitário? O que muda nessa falência global de desencontros? O mundo hoje, visto pela TV, é só o lixo como mercadoria de quinta categoria, obviamente espetacularizado. Putas e canastrões são vendidos como profundos e sensíveis. Mas a quê? A “nota”? José Sette vai no sentido contrário de tudo e todos, elaborando com o seu quinto longa-metragem uma projeção de palavras a serem pensadas, fazendo um delicado filme que dá representabilidade a um pensamento sombrio expressivo, nessa sua transfiguração da normalidade do processo de criação. Sette vai aos extremos, numa escalada implacável rumo a uma poesia ainda que delicada, difícil para o grande público, todo condicionado a Hollywood e a TV.

AMAXON é o hospital-Brasil, em que todos somos condenados. A personagem da escritora reage ao internamento e tratamento, e se debate com uma coragem incrível. A linguagem do filme atravessa uma infinidade de vísceras, infernos e imaginações. A carne viva exposta, torna-se uma espécie de gozo trágico. Um filme-dor que nos remete ao teatro de Artaud. Incômodo aqui. Indizível ali. Longe e próximo de todos nós que sobrevivemos ao apocalipse de 1964. Não poderia ser um filme diferente. Foi difícil não apodrecer junto e continuar sonhando com um Brasil mais justo, humano e para todos.

Ainda assim, salvaram-se os poetas e os artistas. Vera Barreto como escritora é uma espécie de víscera exposta, sendo recolhida para continuar a ser demasiadamente humana.

Pouco importa que não seja um filme fácil, ou para muitos. É cinema! Um cinema que emerge de toda essa putrefação de 1964 a 2009. Sette trabalha com precisão a sua não-linguagem fácil, pois lhe interessa mais um fluxo poético de contradições gramaticais voltadas para o pensamento profundo e o cinema autoral. É o velho-jovem cineasta independente que agiganta sua escritora na solidão e na coragem de não ser comum. Que entre só sofrer e morrer prefere escrever enfrentando os seus muitos demônios. Que lê, bebe, fuma... se debatendo entre contradições geradas na TV, por um jornalista que, como todos, espetaculariza o caos ameaçando com a onda gigantesca, definitiva. Onda que até é mostrada, mas que não chega pois é apenas uma manipulação da comunicação, do dinheiro e da morte que sempre nos acompanha.

E se a representação do mundo e da política se tornou imbecil, compete à arte transformar todo esse excremento - numa espécie de teatralização de uma “escrita física” que Vera Barreto faz muito bem - num trabalho raro e exemplar, onde se realiza em sua intimidade frente à insatisfação da obrigação: a do livro de encomenda que precisa ser escrito. E uma vez mais, o conceito de subordinação ao dinheiro como a arte-terapia dos tantos e tantos eletrochoques de nossas vidas. É onde os porcos se acham mais fortes.

Entre livros e copos de vinho, em sua solidão, pensa na grande onda da sua insatisfação. A onda que está fora está dentro e desencadeia contradições levando-a nua aos seus próprios limites grandiosos de exposição poética. É uma escritora, mas é também atriz e mulher. E, ao entregar-se às suas pulsões transforma-se em crítica de si mesma, ainda que aguçando o seu desprezo pela “lógica” imperceptível da mercadoria e do consumo. O sistema sabe bem o que faz; se não tivermos um mínimo de sonhos, seremos transformados em imagens despotencializadas e vazias. A TV não faz isso todos os dias?

Sette não faz um cinema-coisa, a logo ser esquecido ou descartado. Nesse ponto aproxima-se de Tonacci, Sergio Santeiro, Eliseu Visconti, Jorge Mourão e da nova geração. Se “o mundo é apenas engano”, como afirmava François Villon, AMAXON o subverte desprezando o patamar qualitativo do sucesso fácil. Arbitrário como postura, investe no estilo insurrecional como ruptura e negação do obscurantismo avançado da domesticada política cultural do governo, seja lá de que partido for. E não são todos iguais lutando apenas pelo poder? Se a chantagem e o obscurantismo servem ao poder, de nada serve um cinema não idiota, essencial à representabilidade de uma vanguarda que não conseguiram matar. E que hoje convence muito mais que no passado.

É preciso frisar a importância de um filme feito do nada e que não se reduz à razão, que tudo tenta explicar. Neste sentido, reintroduz no cinema brasileiro complexas subjetivações necessárias ao crescimento de um público menos contaminado por partidos, por prostíbulos e pela TV, pois transgride permanentemente a ordem como instituição sagrada. A Sette e sua equipe interessa abandonar o manicômio das disciplinas do certo e do errado, sem sacrificar mais nada. Ao seu cinema interessam as diferenças e os deslocamentos possíveis, como acesso a um permanente ultrapassar-se. Sua trajetória é impar no nosso cinema. É um experimentador muito além do buraco negro em que transformaram o cinema brasileiro, e que fez um novo filme de uma lucidez atrozmente insuportável.

Sette torna profundo e feminino o discurso da personagem da escritora, e com suas imagens poderosas desfaz o território pouco ou nada significativo da TV, pois faz CINEMA! Dá significação a um novo olhar. Enfim, produz intensidades poéticas.

AMAXON são pedaços restituídos a um corpo, ainda que amordaçado pelo tempo, que passa para todos, poderoso e uma vez mais agigantado, pois se assume, indo além da representação e da escrita. E a vida que não deveria ser pobre e empobrecida como é torna-se gozo por parte de todos. Filme infinito ao reinventar a criação simbólica imperfeita. Ainda bem.

José Rosemberg Filho, Rio, 2009. (*)

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(*) publicado no site Via Política: http://www.viapolitica.com.br/principal.php

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 105

Reflexões do gazeteiro (V)

A fraude caminhou com dois objetivos: neutralizar as vitórias de Santos-Dumont e criar um fato novo que viabilizasse o privilégio das patentes em nome dos fraudadores. Foi relativamente bem sucedida no início, mas a História, como veremos, lhes pregaria uma peça. Pelo que conhecemos das histórias da imprensa e do jornalismo, aquela fora a primeira grande tentativa de manipulação da verdade através da imprensa jornalística.

As histórias da imprensa e do jornalismo são disciplinas distintas; porém, naquele momento viviam numa profunda inter-relação transformadora. O jornalismo heróico que começara nas antigas gazetas jogara um papel importantíssimo em todo o decorrer do século XIX em favor das causas libertadoras em quase todo o mundo, e entrou no século XX gozando de tanta credibilidade e de tal reputação que mal conseguia atender uma pequena parte da crescente demanda dos que queriam desfrutar de sua produção. Nessa fase heróica, o jornalismo era produzido artesanal ou semi artesanalmente e, desde as primeiras e bem sucedidas gazetas, vivia exclusivamente de seus leitores e assinantes. Gente muito exigente, por certo, e que não pagava para ler bajulações a poderosos, para ser enganada ou para perder tempo com inutilidades.

Em nossa América multiplicaram-se os grandes exemplos como os de Bolívar e sua “artilharia do pensamento”, o Correo del Orinoco, diário anti imperialista lançado em 1818 e que contribuiu decisivamente para a expulsão definitiva do império espanhol; os cabichuy paraguaios, editados e publicados nos fronts de batalha, que infernizavam as forças da “tríplice vergonha”; e O Sentinela do Serro, que Teófilo Otoni fazia imprimir em sua gráfica ambulante em lombo-de-burro levantando Minas contra as tropas de Caxias pela causa republicana. Estes são apenas três entre os milhares de jornais que se propagavam pelo mundo afora alçando os povos pela liberdade e cristalizando uma nova forma de comunicação de alta eficiência e rapidez que pôs em polvorosa os poderes imperialistas e absolutistas, participou ativamente da derrubada de muitos deles e ajudou a consolidar importantes forças populares, libertárias e revolucionárias.

No início do século XX, pode-se dizer que, depois da aeronáutica, foi a imprensa, entre as atividades produtivas humanas, a maior responsável pela Segunda Revolução Industrial, que ali apenas se iniciava. E tal avanço tecnológico se daria, pela primeira vez na história da imprensa, para atender as demandas criadas na fase heróica do jornalismo. Na célebre exposição de Paris, em 1900, Hipólito Marinoni, o mais prolífico inventor de máquinas gráficas da época, apresentou o protótipo da maior e a principal de suas últimas invenções: a impressora rotativa de jornais. Em 1903, quando Santos-Dumont fazia vôos rotineiros nos céus de Paris com seus dirigíveis, o Petit Journal, de Paris, tornou-se o primeiro órgão de imprensa do mundo a instalar uma rotativa Marinoni em suas oficinas. Começava a fase industrial da imprensa jornalística. E, com ela, o poder do grande capital sobre o jornalismo e a informação para as massas.

É neste contexto que se insere o oportunismo dos capitalistas norte-americanos, ali representados por John Rockfeller, Gordon Benett e o embaixador Henry White, em conluio com a ganância de banqueiros inescrupulosos (desculpem-me pela redundância) como Lazare Weiller e a avidez de outros capitalistas, políticos e oficiais militares europeus corruptos (uma longa lista, encabeçada pelo Barão de Rothschild), para pressionar e chantagear as empresas jornalísticas em fase de expansão e, portanto, de alto endividamento.

Mas não seria tão fácil assim. Se, por um lado, podiam pressionar as empresas pelo poder de seus capitais, por outro nada podiam com os leitores dos jornais, que eram bem informados pela boa qualidade do jornalismo de que desfrutavam. Assim, para fazer descer goela abaixo da sociedade a farsa dos Wright, os fraudadores tinham de se obrigar a fazer o que mais detestavam: pôr a mão nos seus próprios bolsos para subvencionar os prejuízos das quedas nas vendas avulsas e das assinaturas, sem contar a veemência dos protestos dos leitores mais rigorosos, que viam suas inteligências insultadas pelas mentiras grosseiras que a farsa impunha. Em defesa da ética, de seus nomes e reputações, também os jornalistas resistiram com energia e bravura.

Foi uma queda de braço. De fato, conseguiram abafar bastante a repercussão mundial do vôo do 14 Bis em 12 de novembro de 1906, que, apesar de ter sido o “Vôo da Glória”, teve menos destaque que o anterior, de 23 de outubro, em que o 14 Bis saltou apenas 30 metros, o que lhe bastou para conquistar a Copa Archdeacon. E nem se comparam as repercussões de tais vôos com o estrondoso sucesso mundial de 1901, quando o Nº 6 circundou a Torre Eiffel pela primeira vez na história da aeronáutica.

Por outro lado, só com os cabogramas de Oklahoma a historieta dos Wright não saía do limbo das dúvidas e das mentiras mal contadas, por mais que se forçasse a barra. O jeito foi prometer a ida dos ilustres desconhecidos aviadores a Paris para exibirem o fenômeno aeronáutico que os cabogramas informavam, sem provas, teriam “inventado” três anos antes e para o qual reivindicavam primazia e privilégio de patentes.

Contudo, se na imprensa jornalística e na opinião pública a farsa emperrava, nos gabinetes fechados dos arranjos inconfessáveis tudo ia de vento em popa. Há registros de que Lazare Weiller investiu 500.000 francos só na demonstração dos Wright em Paris. E os exércitos dos EUA e da França apostavam fichas altas nas reservas de direito de uso das patentes, com exclusividade nos respectivos continentes. Enfim, a dinheirama rolou solta por aquelas bandas.

Mas é então que surge a História. O Instituto de Patentes não registra abstrações nem fatos jornalísticos, registra engenhos concretos, apresentados em formulações científicas claras que explicam seus funcionamentos em bases lógicas, e em protótipos reais que os confirmem na prática. Eis que, no caso, os fraudadores planejaram tudo com base em conhecimentos e experiências que vinham sendo produzidas naqueles últimos três anos em artefatos mais pesados que o ar, e que culminaram no 14 Bis. Como vimos na última Gazeta, no vôo do 14 Bis não se deu nenhuma invenção do aeroplano, mas a elucidação de um grande equívoco, que, em pouquíssimo tempo, mudou radical e completamente o rumo de tudo o que vinha sendo feito.

Tal mudança de rumos pegou os farsantes pelo pé. O Flyer apresentado por Orville Wright em Paris, em 1908, era um híbrido de várias experiências que, de uma hora para a outra, se viram ultrapassadas e vencidas. E ainda se jactava de inovador pelo uso do tal Pylon na decolagem catapultada, e não de rodas para a decolagem autônoma! Decolava a favor do vento, claro, pois a catapulta o atirava na corrente aérea, com o que pensavam ter achado a solução do problema que os pioneiros enfrentavam para sair do solo. Porém, tal problema não era mais que um enorme equívoco na abordagem dos princípios aerodinâmicos básicos, o qual finalmente foi elucidado por Santos-Dumont em 12 de novembro - eis aí o motivo principal do monumento com a inscrição histórica que lhe consagrou o Aero Clube de Paris na Praça de Bagatelle.

Mas foi assim, com o “pioneiro engenho” pseudovoador dos Wright, o Flyer, que os farsantes, com tanto empenho, pressão, chantagem e muita, muita grana, lograram, enfim, o perseguido registro e privilégio de patentes.

Só que, quando o lograram, o verdadeiro aeroplano já estava voando em bases lógicas e científicas totalmente diversas e até opostas, e suas patentes e direitos plenamente entregues ao domínio público, já entrando em linha de fabricação em série, e, pouco depois, publicadas em revista de distribuição mundial, em vários idiomas. E todos os países do mundo puderam desenvolver suas próprias pesquisas aeronáuticas livremente a partir daquele que acabou sendo o primeiríssimo aeroplano: o Demoiselle.

As patentes do Flyer caíram no olvido, tal como seus “inventores” desapareceram da História, quase por completo. Foram, porém, ressuscitados uns trinta anos mais tarde, no início da Segunda Guerra Mundial, pelos marqueteiros de guerra da força aérea dos EUA encarregados de forjar heróis e pioneiros para alimentar a moral e o patriotismo de seus guerreiros do ar.

Quanto aos espertalhões farsantes; não saíram no prejuízo, apesar do contundente fracasso. Os povos dos EUA e da França os ressarciram, com lucros, através de gordos aportes em dinheiro que seus exércitos fizeram com recursos dos respectivos erários, para garantir a reserva de uso daquelas tão disputadas patentes que jamais usariam.

Essa primeira batalha do jornalismo contra o capitalismo ficou empatada, no juízo da História. Os Demoiselle voaram no mundo inteiro com quase nenhuma repercussão na imprensa e ainda hoje a primazia de seu projeto, como invenção indiscutível do aeroplano que ainda em nossos dias voa nos céus do mundo inteiro, é ignorada em sua importância histórica. Muitas outras batalhas do tipo se dariam ao longo do século XX, todas com graves perdas para a Humanidade, como constatou o já citado Noam Chomsky. Algumas delas serão temas das próximas gazetas. Aguardem.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 104

Reflexões do gazeteiro (IV)

Nesta série de artigos, a vinculação do jornalismo com a aeronáutica surgiu da coincidência histórica em que dois brasileiros de distintas épocas protagonizaram papéis centrais relacionados à criação da aeronáutica e, nos dois casos, foi o exercício honesto do jornalismo que não só assegurou à história a verdade dos fatos como deles participou de forma decisiva em seus processos e desfechos.

Isto levou o gazeteiro a refletir sobre a importância do jornalismo como supervisor humanista e crítico do progresso tecnológico, em particular no período conhecido como o da Primeira Revolução Industrial, e ao fato de que estas reflexões foram, desde o início, direcionadas a indagar o que aconteceu com o jornalismo no período que seria o da Segunda Revolução Industrial, em que agora vivemos o seu epílogo.

Os historiadores acadêmicos identificam essas duas revoluções com os ciclos da máquina a vapor e da eletricidade. Contudo, este gazeteiro sem compromissos acadêmicos prefere identificá-los, como insinua Gondim da Fonseca em texto citado na última Gazeta, com os do carvão e do petróleo. Se no primeiro predominou a máquina a vapor (movida a carvão), cujo progresso tecnológico foi impulsionado pelo transporte sobre trilhos, na segunda predominou o motor a petróleo (inclusive para a geração de eletricidade), tecnologicamente impulsionado pela aeronáutica.

Como já vimos, foi graças à supervisão humanista e crítica do progresso tecnológico que o jornalismo de então exercia que Santos-Dumont, por sua obra e atitude ética, tornou-se a personagem chave na inauguração da Segunda Revolução Industrial. Mas, como veremos mais à frente, seria no embate que em torno da saga do inventor se travou entre aquele jornalismo e os mais poderosos interesses capitalistas que as coisas começaram a mudar negativamente para a Humanidade.

Em recente conferência pronunciada no México, Noam Chomsky observou que “a Humanidade progrediu muito tecnologicamente, cientificamente, industrialmente, porém esta surpreendente evolução material se distancia muito da outra evolução, aquela que alimenta o ideal do espírito humano: paz, justiça, bem estar...” Chomsky está se referindo, evidentemente, à Segunda Revolução Industrial, e o gazeteiro substituiria o termo bem estar pela palavra cultura, uma vez que, numa sociedade tecnologicamente avançada, ela implica também a liberdade e, consequentemente, o bem estar. “Ser culto para ser livre”, dizia José Martí, sintetizando a ideologia bolivariana.

Apesar da simplicidade quase óbvia da observação de Chomsky, ela é muito importante para nós por tocar a medula destas reflexões. Principalmente quando se constata que, desde o começo da Primeira Revolução Industrial, é o jornalismo - como fator de resistência à manipulação capitalista nascente - a principal atividade difusora de cultura e de informação veraz aos povos da Terra, estivessem eles organizados em Estados soberanos ou em processo de libertação das colonizações de que eram vítimas.

No exato momento em que Santos-Dumont realizou o glorioso vôo do 14 Bis, em 12 de novembro de 1906 – que teve repercussão mundial -, os interesses capitalistas viram evaporarem-se os lucros que as patentes do mais pesado que o ar lhes prometiam assim como suas pretensões de dominar o mundo pelo controle dessas patentes. E trataram de reagir. Foi então que se articulou a primeira grande fraude de imprensa em nível mundial: os irmãos Wright. Os fatos demonstraram que ela estava sendo preparada com antecedência a fim de tentar neutralizar a vitória de Santos-Dumont, que vinha se anunciando e era bastante previsível, ainda que não de forma tão contundente.

Fora articulada um tanto desajeitadamente pelo magnata norte-americano Gordon Benett, o cidadão Kane do momento, e seus jornais Herald, de Nova York e de Paris, precursores clássicos dos impérios midiáticos que lhe seguiriam, em conluio com o embaixador dos EUA na França, Henry White, e o banqueiro Lazare Weiller.

Para o melhor entendimento de como ela foi articulada, como se sucedeu, suas causas e consequências para a época e para a História, se faz mister aportarmos informações pouco conhecidas sobre aqueles fatos decisivos e de suma importância para a detonação e o desenrolar da Segunda Revolução Industrial, que ainda se reflete em nossos dias.

Na busca histórica de mais de quatro séculos pela conquista dos ares através de um aparelho mais pesado que o ar, é possível identificar três correntes de pensamento lógico que se destacaram:

a) a que vislumbrava o helicóptero como mecanismo elementar, inaugurada por Da Vinci, Roger Bacon e outros, a qual prosseguiu ocupando os sábios pelos séculos afora sem, contudo, encontrar solução para o problema do contra-giro da cabine do piloto em reação à força do giro (torque) da hélice do aparelho uma vez em vôo, por falta de ponto de apoio. Da Vinci já propusera uma solução teórica pelo uso de duas hélices girando em sentido contrário e em velocidades exatamente iguais, uma anulando o torque da outra, mas, na prática, não se dispunha de tecnologia capaz de realizar tal exatidão, e a menor diferença de torque entre as hélices inviabilizaria o mecanismo. Tais especulações sequer saíram do papel e nem chegaram ao problema da propulsão que, até os meados do século XVIII, ainda imaginava-se que poderia ser humana, isto é, a pedaladas. Com o advento da máquina a vapor, a idéia começa a ganhar força e interesse realistas, os quais se incrementaram com a chegada dos motores a petróleo. Santos-Dumont, que pelo conjunto da sua obra não pertence a essa corrente, também tentou a solução do problema, sem êxito. Como vimos, só em 1939 Sikorsky o solucionou incorporando uma cauda ao aparelho e aplicando a hélice estabilizadora em seu extremo, criando assim a força aerodinâmica suficiente para compensar o torque da hélice de sustentação (asa rotativa) e estabilizar a cabine. Por incrível que pareça, recentemente a ciência conseguiu tecnologia para as duplas hélices girando em velocidades exatamente iguais em sentidos opostos, e a indústria aeronáutica russa já fabrica helicópteros de última geração sem a hélice de estabilização, tal como imaginara Da Vinci;

b) a que se desenvolveu com mais força no século XIX e tinha por fonte de pesquisa a Natureza, mais propriamente os pássaros, em que se destacaram célebres cientistas como Lilienthal, Langley, Chanute, Ader e muitos outros que, mesmo tendo conseguido algumas surpreendentes aproximações de projeto do que seria futuramente um aeroplano (em particular o Avion, do inglês Ader, que copia o morcego), não lograram viabilizá-lo por não encontrarem propulsão ao mesmo tempo leve e poderosa capaz de fazê-los sair do solo. Colecionaram protótipos que variaram do absurdo ao factível, incontáveis tentativas fracassadas e lamentáveis acidentes fatais como o de Lilienthal, mas depois que a aeronáutica se tornou realidade tem sido retomada por importantes projetistas, em particular os da Segunda Guerra Mundial; e

c) a que se desenvolveu em sentido oposto à anterior, no início do século XX, a partir dos progressos da ciência e da mecânica para a busca de formas de sustentação e meios de propulsão que solucionassem a questão peso-potência para fins aeronáuticos. A esta pertenceram boa parte dos que tiveram êxito palpável, antes e depois do Demoiselle, em que se destacaram Farman, Voisin, Bleriot, Santos-Dumont e vários outros nomes importantes. Santos-Dumont costumava dizer que “a Natureza nunca foi boa mestra para a mecânica; por ela teríamos trens com pernas de ferro e navios com barbatanas”.

O fato é que, no início do século XX, depois de todo um imenso esforço humano empenhado na questão, o único aparelho mais pesado que o ar controlado pelo homem que se conhecia capaz de voar era o tradicional e milenar papagaio (ou pipa) chinês. Este inocente brinquedo foi, contudo, o motivo de dois enormes equívocos que desnortearam os pioneiros da aeronáutica e só foram solucionados por Santos-Dumont:

1) o de que uma estrutura cúbica celular era capaz de sustentar uma aeronave de tamanho suficiente para transportar pessoas e cargas; e

2) o de que a estabilidade e a propulsão de uma aeronave seriam “ajudadas” na decolagem pelo vento a favor, ou seja, o de que a trajetória de decolagem deveria ser no mesmo sentido do vento que soprava na pista.

Foi no vôo do 14 Bis que Santos-Dumont desfez o segundo equívoco. E este foi o maior mérito do 14 Bis para o futuro da aeronáutica. Depois de várias tentativas mal sucedidas de decolagem, Santos-Dumont percebeu que o vento só o prejudicava e decidiu fazer uma tentativa em sentido contrário, ou seja, contra o vento. Muitos dos experts que acompanhavam a experiência pensaram que ele tinha ficado louco. A mesma comissão de arbitragem não tinha previsto medir o vôo feito em sentido contrário ao do vento. Assim, o registro da saída do solo acabou se estabelecendo a partir de uma fotografia obtida naquele exato momento, e na qual aparecia um homem com uma bicicleta alinhada com as rodas que deixavam o solo. O ponto de decolagem foi marcado pela posição da bicicleta, que pôde ser verificada com precisão por referências estáticas do local, e o de pouso foi marcado pelo juiz que deveria marcar o de decolagem. Não se pode dizer que aquele fora exatamente um vôo; foi muito mais um salto impulsionado pelo poderoso V8 de 50 HP, recém projetado e construído pelo inventor, o qual, ao enfrentar um bom vento contrário, era capaz de tirar do solo até um piano de cauda.

Mas a descoberta, em sua mais elementar simplicidade, não só desfez um equívoco tremendo como inverteu toda a lógica de pesquisa e projetos pioneiros. Já no número 15, que imediatamente se seguiu, Santos-Dumont chegou perto das características elementares do aeroplano futuro. Virando o 14 Bis pelo avesso, mandou para a popa os comandos de leme e profundor e colocou-se, como piloto, sentado e à proa. Mas o primeiro equívoco ainda permanecia nas estruturas cúbicas celulares de sustentação que formavam as partes do aparelho que já eram chamadas de “asas”. E, no Nº 15, feitas de madeira compensada e, portanto, ainda mais pesadas que as do 14 Bis, que eram de lona. Foi um fracasso.

Mas assim é a trajetória dos gênios. O conhecimento e as descobertas não surgem de forma direta e linear. Os três projetos que se seguiram ao Nº 15 podem parecer confusos e fora de propósito para quem participava de uma corrida tecnológica com o objetivo concreto de fazer voar um aparelho mais pesado que o ar. O Nº 16, talvez o mais belo design de balão dirigível jamais realizado e colocado em vôo; o Nº 17, em que, nos protótipos inacabados, foram abandonados dois projetos de helicópteros; e o Nº 18, um deslizador aquático de alta velocidade, com o qual o inventor testou várias novidades em estruturas náuticas e aeronáuticas. Em determinados momentos, em geral os mais difíceis, o inventor percebe que a solução está bem perto dele, a ponto de poder tocá-la com os dedos, mas não a encontra, por mais que quebre a cabeça. Nestes casos, há que esperar um insight, assim como o poeta, quando a musa lhe parece ausente, tem de aguardar a inspiração. Enquanto isso, o gênio não pode parar, faz o que pode com o que tem à mão e nada perde com isso. “Os gênios não erram; seus erros são volitivos e são portais de novas descobertas” (James Joyce, Ulisses)

Eis que, então, surge o insight. E, no caso de Santos-Dumont, o “achado” que estava achado há tempos: as asas de perfis aerodinâmicos de Lilienthal, Chanute e Ader, copiadas da natureza e tão antigas quanto as de Ícaro, cuja imagem, por sinal, ilustrava o ex-libris do inventor. E os ailerons, que ele mesmo havia criado para o 14 Bis, e os aplicara justamente no vôo da vitória, mas não dera com o valor que tinham, talvez porque com eles se esborrachara e destruíra o 14 Bis numa tentativa posterior para aprimorá-lo. Tanto é que não os usou no Nº 15.

Eis, então, que surge, sem alarde, o Nº 19, a “libélula”, com a sua cauda de bambu que logo seria substituído, no Demoiselle (Nº 20), por uma estrutura rígida de seção triangular que lhe daria a firmeza e a maneabilidade do aeroplano que nele nascia, junto com a aeronáutica do século XX. Tudo isto - do vôo da vitória no 14 Bis ao Nº 21, o definitivo Demoiselle -, ocorreu em menos de dois anos. E a história da aeronáutica só tem o Demoiselle para apresentar como marco concreto e berço da aviação civil, que, no ano passado, 2008, se fez centenária, porém sem nenhuma comemoração.

Por que será?

Por que foi tão celebrado nas manchetes de primeira página dos principais jornais do mundo o vôo do 14 Bis, sem dúvida um passo importante na conquista da aviação, e o advento do Demoiselle, a primeira aeronave que efetivamente realizou o sonho da aeronáutica para a humanidade, até com a sua pioneiríssima fabricação em série por duas importantes indústrias francesas, quedou quase invisível em notas de páginas internas e até hoje permanece num limbo histórico injusto como apenas um projeto a mais de Santos-Dumont, inclusive nas obras de seus muitos e grandes biógrafos?

Ficará para a próxima Gazeta a análise e, se possível, a resposta desta questão, e não estamos prometendo especulações, mas a revisão crítica sobre fatos concretos e bem documentados, a qual, uma vez que sustentada nas informações aqui aportadas e no que tange a tudo o que conhecemos do assunto, será uma abordagem inteiramente inédita para aqueles tão importantes quanto decisivos eventos históricos.

sábado, 10 de outubro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 103

Reflexões do gazeteiro (III)

Passaram-se 200 anos para que o fiasco do jovem visionário brasileiro em Lisboa fosse vingado pela contundente vitória de outro jovem brasileiro, desta vez em Paris. E, novamente, a aeronáutica deve ao jornalismo combativo e leal aos fundamentos originais do ofício, que ainda se praticava na França, um papel fundamental no decorrer dos fatos, no registro deles e na afirmação irrevogável da verdade histórica.

Ao contrário de Gusmão, Santos-Dumont chegou na Europa sem alarde ou aviso; não foi lá para fazer petições a poderes constituídos, para se exibir em palácios ou pedir favores. Foi porque Paris possuía as condições de que ele necessitava para realizar o que tinha em mente, não como sonho visionário, mas como cálculo ousado ao qual o destino acabou por conceder-lhe o prêmio, aliás bem maior do que toda a audácia de um jovem gênio inventor de sua época poderia projetar.

Numa fulminante trajetória de apenas dez anos, do balão Brasil (1898) ao Demoiselle (1908 - o primeiro avião do mundo, e não o 14-Bis, como muitos acreditam), realizou nada menos de 23 projetos aeronáuticos pioneiros, verdadeiras obras primas de engenho e arte, 15 dos quais ele mesmo pôs em vôo, além de inúmeros inventos secundários, mas nada desprezíveis, tais como os primeiros motores a petróleo (incluindo o famoso V-8 e o motor de “dois tempos”), o relógio de pulso, o chuveiro para banho, a descarga d’água em vaso sanitário, a madeira compensada, incontáveis ferramentas de oficinas e uma longa sequência de etcéteras. Em nove desses dez anos, desfrutou a condição de ser o único ser humano em todo o mundo a compartilhar com os pássaros o tridimensional e até então inexplorado espaço sem fronteiras da atmosfera terrestre.

- “Digam o que disserem, não há dois dirigíveis no mundo, mas apenas um. E é preciso vir até Paris para vê-lo” – disse Deutsch de la Meurte em 1901, sob a pressão de grande polêmica por conceder o prêmio a Santos-Dumont pelo célebre vôo até a Torre Eiffel.

Para os manipuladores de plantão, a trajetória do jovem brasileiro em Paris era uma verdadeira dor de cabeça. Não se subordinava a ninguém, não pedia auxílios, favores ou permissões, não reconhecia autoridades, não perguntava se podia ou não voar ao seu bel prazer pelos céus de Paris – e quem poderia impedi-lo? Além do mais, não permitia que os frutos de sua genialidade servissem a interesses de quem quer que fosse, a não ser à Humanidade mesma, a quem doou sem pedir nada em troca todas as suas invenções extraordinárias, sem exceção. Registrava-as, sim, todas, mas sempre para o domínio público (“que péssima idéia!”), e levava às barras dos tribunais os que tentavam usurpar-lhe invenções em benefício próprio.

Esse é o tipo de rebelde mais perigoso para os manipuladores de sociedades. Eis por que, mal despontou a possibilidade de que Santos-Dumont poderia resolver o problema do transporte aéreo, já então na mira da ganância das maiores potências capitalistas, começaram os boicotes e as sabotagens contra o jovem inventor e sua obra imortal. E, se não fosse o apoio do jornalismo combativo e incorruptível que era praticado pelos principais jornais daquela Paris de então - que trouxe ao inventor o apoio inarredável da opinião pública -, com certeza teriam logrado impedi-lo de chegar onde chegou.

Gondim da Fonseca, uma das maiores glórias do jornalismo brasileiro e o melhor biógrafo de Santos-Dumont, descreve em preciosos detalhes o combate que se travou, inusitadamente, numa nação famosa por seu chauvinismo, entre uma imprensa honesta e atuando responsavelmente em defesa da glória merecida de um estrangeiro e os poderes interesseiros e xenófobos, que procuravam sabotá-lo, desqualificá-lo e desacreditá-lo.

Gondim, que é também o autor de uma das obras mais importantes sobre o petróleo (O que sabe você sobre o petróleo?, de 1958), que, segundo Gilberto Vasconcellos, ainda não foi superada, concede a Santos-Dumont não somente a glória de ter sido o inventor do aeroplano, mas também a de ter “descoberto” o petróleo:

“Parece incrível que ninguém, a não ser esse moço brasileiro, visse claro o futuro do petróleo. Ninguém, nem o próprio John Rockfeller (maioral da geração de barões salteadores que construiu os Estados Unidos), milionário carola que respondia na ocasião a vários processos de fraude por haver lesado centenas de criaturas –, percebeu, como Santos-Dumont, que o novo carburante mineral se tornaria no século XX o que o carvão de pedra se tornara desde o segundo quartel do século XIX: um dos máximos instrumentos da força e do progresso.”

Porém, no que toca a estas reflexões do gazeteiro, a contribuição de Gondim à biografia de Santos-Dumont que mais importa é a da batalha das idéias e o papel do jornalismo consequente não só para o registro verídico da história, mas para a vingança da verdade coeva pela qual aqueles jornalistas lutaram com bravura, inclusive despojando-se dos impulsos tendenciosos e chauvinistas e esquivando-se das tentações do diabo capitalista, que sempre se apresentam em tais ocasiões.

Os principais diários parisienses, como o Les Temps, o L’Illustration, o Figaro, o Petit Journal, entre outros, engajaram-se na luta a favor daquele solitário jovem que, com a ajuda de alguns poucos operários e às próprias custas, competia com as nações mais ricas e poderosas do planeta, a própria França, a Inglaterra, a Rússia, os EUA e até o Japão, na corrida tecnológica para encontrar a solução do transporte aéreo, que então se vislumbrava não mais como uma perspectiva visionária, mas como uma realidade concreta, fosse através do mais-leve ou do mais-pesado-que-o-ar.

Gondim cita jornalistas da estatura de Maurice Talmeyr, Adrien Hébrard (editor do Les Temps e conhecido como “o informadíssimo Hébrard”), Georges Goursat (também caricaturista e artista plástico), Francois Peyrey, além de fotógrafos e cinematógrafos (incluindo os irmãos Lumière) e toda uma geração de jornalistas e comunicadores irredutíveis formados na tradição combativa de um jornalismo que se estruturara desde o século anterior nas penas imortais de gênios como Balzac, Victor Hugo, Zola, Anatole France, para só citarmos alguns. Enfrentando com coragem o pesado lobby dos interesses políticos e financeiros que queriam para si as patentes e privilégios das invenções que viabilizariam a aeronáutica e mudariam o mundo, acompanharam, passo a passo, toda a trajetória do jovem gênio brasileiro naquela década de invenções e descobertas, apoiando-o e conquistando para ele e seus propósitos desinteressados a opinião pública nacional e até a mundial. As coberturas dos jornais franceses transcenderam as fronteiras nacionais e se espalharam por todo o mundo; Santos-Dumont tornou-se um nome internacional entre os mais celebrados de sua época.

O volumoso dossier que as reportagens desses jornalistas geraram pelas matérias publicadas e não publicadas sobre aqueles fatos constitui-se num acervo documental de tal ordem que deixa sem qualquer seriedade a discussão que tente contestar a verdade histórica que se consagra, sem margens para dúvidas, nesta sentença inscrita em mármore no marco da praça de Bagatelle:

LE 12 NOVEMBRE 1906 SOUS LE CONTROLE DE
L’AEROCLUB DE FRANCE
SANTOS-DUMONT
A ÉTABLI LES PREMIERS RECORDS
D’AVIATION DU MONDE
DURÉE 21s 1/5 DISTANCE 220m

Este é o registro do celebérrimo vôo do 14 Bis. Mas o primeiro aeroplano a voar no planeta Terra seria fruto do projeto nº 19 de Santos-Dumont, iniciado em 1907, saído de um insight do inventor após várias tentativas frustradas de aprimoramento do 14 Bis, incluindo dois projetos de helicóptero que foram também descartados.

O projeto vitorioso foi posto em operação no início de 1908. Desde então, o Libelulle e o Demoiselle, nos dois apelidos que lhe deram os parisienses, o primeiro para o modelo nº 19 (por causa da cauda feita de uma só vara de bambu) e o segundo para os modelos aprimorados de nº 20 e nº 21 (pela delicadeza dos designs), passaram a ser parte do dia-a-dia dos céus parisienses. De tal forma que se tornaram os primeiros veículos automotivos produzidos em série (foi Santos-Dumont quem inventou a produção em série e não Henry Ford, como se pensa por aí), fabricados e comercializados nas firmas Clement-Bayard (75 exemplares) e R. Dutheil, R. Chalmers & Co (60 exemplares).

Depois, Santos-Dumont os aprimorou ainda mais e publicou todo o projeto, nos mínimos detalhes, na revista norte-americana Popular Mechanic, autorizando a produção ilimitada a quem a desejasse. Foram produzidos milhares de exemplares em todo o mundo e, até os anos 1960, o Aero Clube de Paris ainda mantinha um concurso anual para premiar a melhor réplica do Demoiselle que fosse construída no ano anterior.

Nesta aeronave, desde a sua primeira versão, estão presentes os fundamentos básicos (características elementares) de todos os aeroplanos que a ela se seguiram e são produzidos até os nossos dias, a saber: a decolagem autônoma, a sustentação com asas de perfil aerodinâmico, o baricentro (centro de gravidade) em posição estável, os três comandos aerodinâmicos básicos (leme e profundor traseiros e aileron nas pontas das asas), o cockpit em localização dianteira para pilotagem em posição sentada e o trem-de-pouso com rodas pneumáticas. A propulsão por motor de combustão interna a petróleo, apesar de esmagadoramente dominante nas gerações posteriores de aeroplanos até os nossos dias, em particular nos de pequeno porte, não é obrigatória e pode variar para turbinas e outros tipos de motores acionados por diferentes combustíveis.

Confirma-se assim, também na aeronáutica, a tese filosófica lembrada na gazeta passada. Todo aeroplano pilotado pelo homem de ontem, de hoje e de sempre, ou possui todas as características elementares do primeiro aeroplano construído pelo homem, o Demoiselle, ou não é um aeroplano.

O 14 Bis só possuía a primeira e a última dessas características elementares, ou seja, a decolagem autônoma e o trem-de-pouso com rodas pneumáticas. Quanto às demais, a sustentação era dada por asas de estruturas cúbicas celulares (o papagaio chinês), só possuía dois comandos aerodinâmicos (leme e profundor) numa só estrutura cúbica celular dianteira, a nacelle (usada em dirigíveis) tinha localização traseira para a pilotagem em pé, e o baricentro era instável (o equilíbrio e o comando lateral eram dados pelo piloto, movimentando seu corpo).

O Flyer, atribuído aos irmãos Wright, que só foi visto pela primeira vez “voando” uns 30 a 60 metros em linha reta, no final de 1908 - quando Santos-Dumont, ao comando de seu Demoiselle, já fazia visitas de surpresa a propriedades de amigos nos arredores de Paris, percorrendo em 15 minutos de vôo distâncias que carruagens levavam três horas e meia -, não possuía nenhuma dessas características elementares. Decolava catapultado por uma geringonça chamada “Pylon”, que exigia o concurso de uns doze homens bem fortes para armá-la, e o piloto comandava a traquitana “voadora” deitado de bruços no centro da estrutura do tipo celular (que dava sustentação aerodinâmica ao conjunto) para conseguir a estabilidade do baricentro e, ao mesmo tempo, exercer, movimentando seu corpo, o comando lateral. Pousava sobre esquis.

Este gazeteiro é autor de um livro em forma de roteiro cinematográfico editado em 1995, com tiragem limitada, intitulado Dans L’Air – A via Santos-Dumont, que pode ser encontrado na íntegra no seguinte endereço internético: http://marioobras.blogspot.com/2009/04/1995-ficcao.html

A obra culmina mais de vinte anos de estudos e pesquisas sobre o tema e este autor crê, com segurança, que, se não fossem a valentia e a honestidade profissional dos jornalistas que acompanharam as façanhas do nosso gênio da aeronáutica, é possível que Santos-Dumont não chegasse sequer ao 14 Bis e, consequentemente, ao insight que o levou a projetar, construir e voar o primeiro aeroplano da história.

Não é possível sabermos o quanto isto retardaria a evolução tecnológica da aeronáutica, mas apenas para termos uma noção das possibilidades, o próximo insight decisivo para a aeronáutica somente ocorreria em 1939, no gênio do projetista russo Igor Sikorsky, ao “achar”, de estalo, a hélice traseira estabilizadora que tornaria possível a construção do helicóptero imaginado quase 400 anos antes por Leonardo Da Vinci, e cuja solução foi tentada ao longo de todos esses anos, sem sucesso, por vários outros gênios inventores, incluindo Santos-Dumont.

A Gazeta continuará no tema.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 102

Reflexões do gazeteiro (continuação)

Foi com um desses filósofos clássicos, acho que Dilthey ou Spinoza, que aprendi serem os trabalhos pioneiros das diversas disciplinas das “ciências do espírito” (termo diltheyano) portadores dos fundamentos que as regem, fora dos quais qualquer trabalho posterior se perde em desvios sem saída e até na própria negação da disciplina a que pretende aportar contribuição. Sendo o jornalismo uma dessas disciplinas, creio que a abordagem dos fundamentos revelados por seus pioneiros poderá ser um bom ponto de partida para uma reflexão sobre o que ocorre no jornalismo atual.

Com o advento da internet, o jornalismo, digamos, acadêmico, que era considerado historicamente descendente do jornalismo pioneiro, foi corrompido pelo mercantilismo e contaminado pela propaganda, o que resultou na sua senilidade seguida de lenta agonia, e veio a falecer completamente. Ao mesmo tempo, renasce, em sua essência original, um jornalismo “novo” que cresce e se espalha em inúmeros sites, blogs e outros dispositivos da internet, retomando os fundamentos do jornalismo pioneiro e as razões que deram existência a essa importantíssima disciplina do conhecimento.

Sem compromissos acadêmicos nas análises da história, a Gazeta tem uma leitura própria sobre os fundamentos originais do jornalismo, os quais, para ela, responderam a uma necessidade social libertária contra a opressão capitalista, já nos meados do século XVII. A manipulação dos oprimidos sempre foi uma constante nos regimes patriarcais, onde prevalecem a propriedade privada da terra e a divisão da sociedade em classes. A tática mais comum é a de usar as instituições acreditadas pelo povo; manipulando-as, iludem a boa fé da credulidade popular. É mais antiga do que se pensa a história da “roupa do Rei”, a que Andersen daria forma literária definitiva.

A entrada em cena da Revolução Industrial agudizou o problema. A necessidade de estar informado passou a ser crucial para formar opinião e tomar decisões, em níveis individuais e coletivos. As sociedades não podiam ficar à mercê dos exploradores e enganadores de ofício nem depender de uma criança espirituosa que as avisasse dos engodos. É, pois, na demanda por informação veraz e com análise crítica, a denúncia, que nasce o jornalismo pioneiro, na espontaneidade das gazetas em forma de carta, primeiramente copiadas e remetidas a diversos destinatários, depois impressas, multiplicadas e lidas em praças públicas para logo se tornarem periódicas, bimensais, mensais, quinzenais, semanais até se configurarem nas gazetas “del giorno”, isto é, os diários, os jornais.

Um bom exemplo dos primórdios do jornalismo em nossa língua foi a “cobertura” dada em Portugal às diversas viagens a Lisboa do brasileiro Bartolomeu de Gusmão, o nosso “Padre Voador”, em particular nas gazetas em forma de carta de José Soares da Silva, um dos mais importantes gazetistas europeus dos fins do século XVII e início do XVIII.

Desde a primeira viagem, em 1701, o ainda adolescente Bartolomeu de Gusmão causara assombro no reino de Portugal pela fama que por lá se espalhou de sua prodigiosa inteligência, capacidade de memória e talento (vamos manter a grafia original de Soares da Silva), “pois de 15 para 16, dizem que sabe o que contem a memória infra inscripta; o que parece excede a capacidade do tempo, ainda que fosse imprimindo-lhe fielmente na memória tudo quanto lesse, sem lhe discrepar hum apice, como dizem que ele faz, e lhe fica tudo quanto hua vez passou pelos olhos”. A história não confirma nem desmente o prodígio do qual desconfia o gazetista, mas o fato é que o nome do jovem volta às “manchetes” européias em 1709, desta vez com uma verdadeira bomba, assim noticiada pelo mesmo gazetista, quando relata a chegada daquele “celebre estudante americano, que aqui esteve annos atraz, não já para declamar de cór, de traz para diante e de diante para traz, as odes de Horácio e os livros da Escriptura, mas para impetrar d’El Rey D. João V, um inesperado e singular privilégio de invenção. (...) No mesmo tempo, em que temos tão poucos homens, que saibam andar pello mar, e pela terra se achou hu que quer andar pello ar, e fazer 200 legoas por dia, e para este effeito deo petiçam a Sua Magestade, em que produz o arbitrio e pedio privilegio, para que descuberto o tal arbitrio, e executado por elle lhe fizesse Sua Magestade alguas mercês”.

Nessas “200 legoas por dia” cresceram os olhos ganaciosos de muito interesse, e a “nuova navigazione per andare alle Indie senza toccare la Tramontana, mas direttamente per Levante” já era noticiada ao Papa, no Vaticano, e assim era defendida a petiçam do jovem gênio brasileiro pelos próceres chegados a Sua Majestade, pensando, claro, nos benefícios imediatos (mercês) que lhes seriam auferidos desde alí, ademais de sonhar com os futuros que colheriam a bastança se, porventura, estivessem diante de um novo Vasco da Gama: “... por que enteressa a Vossa Magestade muito mais do que nenhum dos outros Principes, pella Mayor distancia de Seus dominios, evitandose desta Sorte, os desgovernos das Conquistas que provem em grande parte chegar muito tarde as noticias dellas. Além do que poderá Vossa Magestade mandar Vir o precioso dellas, muito mais brevemente e mais Seguro ...”

Quer dizer, a mordida no erário já estava preparada, já começava a ser dada pelos que podiam fazê-lo de imediato, e iria longe, muito longe, o engodo na “opinião pública” (como hoje sabemos que podem ir até ao infinito) para respaldá-lo, não fosse a denúncia do gazetista ao reportar as primeiras experiências da invenção que a Europa toda aguardava ansiosa - pois na época a simples possibilidade do transporte aéreo era equivalente à do transporte intergalático hoje -, nesta obra prima do jornalismo pioneiro:

El Rey os dias passados também o apertou de sorte a falta de respiração que lhe sobreveyo á sua queixa que a toda a pressa o sacramentaram de noute. Porém com a nova cura que fez logo, está com conhecida melhoria em hum e outro achaque e já anda erguido e composto; como assistio a varias comedias que agora se fizeram no Paço. E hum dia destes ao Voador, que, na sua presença, na casa do Forte debaixo da das embaixadas, foy fazer a primeira prova do seu engenho, levando para isto hum globo de papel o qual dizia elle, por si mesmo se havia de elevar aos ares, mettendo-lhe dentro hua vela acesa, e fazendo a primeira vez, voou elle com brevidade, porque lhe pegou o fogo, e ardeu inteiramente, e para isto ha mais de quatro mezes que anda trabalhando nas taes fabricas, o que pudera fazer em quatro horas, ao menos, ou ao mais em 24 como fez no segundo globo, que levou no segundo dia ao Paço, o qual se não ardeu como o primeiro, fez o que qualquer fizera porque gastando pela luz o ar, que continha dentro o globo, o ar ambiente natural muito o arrebatou ao alto da casa como não tinha outra materia mais que papel, e assim tornou outra vez a descer como subira, sem fazer mais nada que he o que basta, para andar duzentas légoas por dia, e levar as quarenta arrobas de peso. Se isto não se vira não se crêra.”

Por mais impiedosa seja a verdade, é dever do jornalista enunciá-la. A verdade é a matéria prima do jornalismo, assim como a luz é a da fotografia. Mesmo que o nosso desejo patriótico fosse o de que Bartolomeu de Gusmão fosse reconhecido como o precursor da aeronáutica, depois da contundência do relato jornalístico de José Soares da Silva, queda inútil qualquer esforço neste sentido; não podemos reivindicar para o nosso compatriota sequer a invenção do balão de São João, pois foram imigrantes chineses que nos ensinaram a fazê-los, no Ciclo do Ouro, a partir de milenares tradições da cultura oriental. Assim, a verdade denunciada através do jornalismo é util não só aos contemporâneos como faz um grande favor à História. Ninguém quer ser enganado.

A Gazeta permanece no tema.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 101

Reflexões do gazeteiro

Recordo-me, na minha juventude, de uma das inesquecíveis aulas de cinema de Ronaldo Brandão, no CESC-BH (Centro de Estudos Cinematográficos de Belo Horizonte), quando ele afirmou que o cinema verdadeiramente novo era o dos pioneiros e inventores da cinematografia, em fins do século 19 e início do 20, e dizia, a respeito dos filmes que nos fins da década de 1960 considerávamos como cinema de vanguarda ou cinema novo: “o cinema que hoje se faz já está caindo de maduro”.

Nunca me esqueço dessa lição, porque dou a ela o crédito de ter modificado radicalmente a minha visão do mundo. Fomos criados e educados no que poderíamos chamar de arrogância da contemporaneidade; consideramos o passado histórico como “velho”, “superado”, “obsoleto”, e a nós, os “contemporâneos” (de hoje e de sempre), como os “novos”, os “evoluídos”, os “vanguardistas”. Percebi então o tamanho do equívoco e que a verdade atribuída ao cinema podia ser estendida a toda a história e até à própria Humanidade, que hoje, por sua fração que se crê “civilizada”, demonstra sintomas de aguda e precoce esclerose, física e mental, a ponto de ser capaz de atentar mortalmente contra o próprio berço (entre o Tigre e o Eufrates) e contra si mesma.

Ao “Ocidente”, enquanto termo sociológico que ultimamente tem sido usado para definir a “nossa” civilização, cairia bem o verso imortal de Nelson Cavaquinho: “já vai muito longe a minha mocidade”.

Mas, tal como a arte, a Humanidade é imortal, pela simples razão de que não haveria ser humano para registrar sua morte, como não houve o que registrasse seu nascimento. Assim, ela se renova (renasce) em sucessivos ciclos de civilização que ocorrem nas coordenadas do espaço-tempo, às vezes, histórico; outras vezes, cósmico. Os pensadores mais lúcidos das últimas cinco décadas coincidem em conjeturar para exatamente agora, nesta quadra, o advento de um novo ciclo, em coordenadas ao mesmo tempo históricas e cósmicas. Oswald de Andrade (A crise da filosofia messiânica); Álvaro Vieira Pinto (A sociologia dos países subdesenvolvidos); Fritjof Capra (O ponto de mutação) - por exemplo. Mas, no momento atual, não precisamos da genialidade desses grandes pensadores para saber que estavam certos. Gramsci definiria este nosso tempo como o de transição entre o fim de um ciclo de uma civilização que ainda não terminou de morrer e o nascimento de um novo ciclo daquela que ainda está em trabalho de parto.

Interrompi a redação deste artigo para acompanhar, ao vivo e boquiaberto, o desfile de comemoração dos 60 anos da Revolução Chinesa, em Pequim, através da TV chinesa em espanhol (CCTV). Indescritível manifestação do povo que nos liderará neste novo ciclo: a China renasceu em 1949 e agora exibe a vitória de sua revolução para o mundo com a mensagem da liberdade conquistada por uma Pátria que hoje se demonstra invencível. Monumentalidade em proporções chinesas: 50 mil militares e 150 mil civis desfilaram, impecáveis, em frente ao retrato de Mao-Tsé-Tung, numa sequência poética e humanista que homenageou o pensamento do líder e a sucessão de conquistas do seu povo durante a República Popular por ele fundada. Igualmente chineses foram o bom gosto e a liberdade criativa, mesclando tradição, folclore, erudição e arte popular com requintes de artesanato, tecnologia, ousadia e plasticidade para vestir e cenografar o maior espetáculo coreográfico-musical que já se realizou neste planeta. Uma banda militar de dois mil músicos, a que se somavam milhares de tambores e percussionistas e um coral de 10 mil vozes, além de um super painel gráfico de 50 mil pessoas, fizeram o musical e o texto para o desfile gigantesco de 200.000 soldados-bailarinos-do-povo e incontáveis carros alegóricos, numa profusão de alegria e felicidade coletiva. O espetáculo de inauguração das Olimpíadas foi uma produção de pequeno porte em comparação à desse desfile.

Voltando à reflexão original que deu margem a este escrito, quero dizer que a Gazeta, desde o começo, e com seus modestíssimos recursos, se propõe a ser parte da Humanidade que renasce, em particular, no que diz respeito ao renascimento do jornalismo nacional, ao qual pretende aportar o seu grão de areia.

Terá o jornalismo nacional falecido? A resposta é sim, há algumas décadas; “e agora são os seus cadáveres que por aí perambulam”. O artigo de Michael Niman, publicado em português no site Resistir serve como atestado de óbito, e não somente para o jornalismo nacional. Recomendo-o: http://resistir.info/varios/morte_diarios.html.

As reflexões do gazeteiro continuam na próxima Gazeta.