quarta-feira, 20 de maio de 2009

Gazeta em forma de e-meio 88

Retorno à razão

Durante as encucações que nestes dias ocorreram a este gazeteiro dedicado aos atuais e graves problemas da Humanidade, situação em que as forças da desgraça são tão mais poderosas que as da graça, a tal ponto que se necessita ser muito otimista para crer que este mundo possa voltar a ter graça (e que assim mesmo não será “de graça”), surgiu, quase como uma pedra de toque, uma despretensiosa mas muito interessante e peculiar matéria publicada no site Rebelión, que foi como uma luz que se acendeu na escuridão envolta em pesadelos sombrios.

Não porque este gazeteiro compartilhe por inteiro das idéias do articulista, Higinio Polo, doutor em História Contemporânea pela Universidade de Barcelona; até pelo contrário, há muitas de suas teses das quais, se não diverge por completo, as contestaria em outra oportunidade. Mas o que nos interessa agora é o aspecto mais rico do artigo, o qual ilumina de forma brilhante um momento histórico aparentemente de pouca importância, em particular para aqueles que se propõem ou se apresentam como “cientistas” políticos ou pensadores “de esquerda”. É que estamos nos referindo ao papel da arte no processo de transformação da realidade, o qual o autor - que apesar de considerar “as questões sociais e políticas sempre mais relevantes que a arte”, numa inesperada contradição com o seu próprio artigo -, ilustra com magistral percepção analítica, não acadêmica, diga-se logo, que retira quase toda a névoa de equívocos que costuma nublar, propositalmente em casos como o que ali enfoca, a verdade e a brilhância dos fatos tal como se deram.

Com raríssimas e honrosas exceções, os que militam em movimentos ditos “de esquerda”, “revolucionários” ou “de resistência”, em especial os que ocupam os espaços de maior influência e poder na mídia hegemônica e também na de resistência, desprezam solene e historicamente toda manifestação artística de vanguarda, que reputam preconceituosamente como acontecimentos menores, sem importância para a luta de classes, alienados e distantes dos interesses dos povos quando não, e o que é mais comum, tachando-os de “fora do alcance da compreensão das massas”.

Na verdade, fora da compreensão deles - desses caretas e da falta de sensibilidade crônica que os caracteriza -, porque as tais massas sequer têm acesso a conhecer ou a experimentar os avanços contemporâneos da arte, uma vez que seus inimigos de classe, as oligarquias e burguesias, já que seus opositores no plano intelectual nada fazem para contrariá-las, compreendem muito bem o significado libertário de tais avanços e tratam bloqueá-los por todos os meios, ou, quando não podem, de acolhê-los e mantê-los sob custódia, restritos a redutos hermetizados pelos privilégios de classe, e, se possível, transformá-los em lucrativas mercadorias “do grande negócio das megaexposições, museus e coleções particulares”, como denuncia com precisão Higinio Polo em relação às artes plásticas, o que é o foco de seu artigo, mas cuja verdade pode ser perfeitamente estendida a todas as manifestações de arte contemporânea ou de vanguarda, produzidas nas demais expressões artísticas.

“A massa ainda há de comer o biscoito fino que eu fabrico”, profetizou Oswald de Andrade. Mas isto só se dará quando uma inteligentzia de paladar apurado for capaz de resgatar esse biscoito do esconderijo burguês em que foi enclausurado. O artigo a que se refere esta Gazeta se chama Retorno à razão (ou Duchamp e seus camaradas), publicado com copyleft, e, a partir desse dispositivo de autorização automática, foi traduzido por este gazeteiro para o nosso idioma, com a inclusão de ilustrações a critério do tradutor, para ser publicado no nosso Suplemento Literário. O gazeteiro pede ao leitor que vá até ele, pois é parte importante das elucubrações prometidas na última edição da Gazeta e referência das próximas: http://gazetasuplemento.blogspot.com/