sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Gazeta em forma de e-meio 101

Reflexões do gazeteiro

Recordo-me, na minha juventude, de uma das inesquecíveis aulas de cinema de Ronaldo Brandão, no CESC-BH (Centro de Estudos Cinematográficos de Belo Horizonte), quando ele afirmou que o cinema verdadeiramente novo era o dos pioneiros e inventores da cinematografia, em fins do século 19 e início do 20, e dizia, a respeito dos filmes que nos fins da década de 1960 considerávamos como cinema de vanguarda ou cinema novo: “o cinema que hoje se faz já está caindo de maduro”.

Nunca me esqueço dessa lição, porque dou a ela o crédito de ter modificado radicalmente a minha visão do mundo. Fomos criados e educados no que poderíamos chamar de arrogância da contemporaneidade; consideramos o passado histórico como “velho”, “superado”, “obsoleto”, e a nós, os “contemporâneos” (de hoje e de sempre), como os “novos”, os “evoluídos”, os “vanguardistas”. Percebi então o tamanho do equívoco e que a verdade atribuída ao cinema podia ser estendida a toda a história e até à própria Humanidade, que hoje, por sua fração que se crê “civilizada”, demonstra sintomas de aguda e precoce esclerose, física e mental, a ponto de ser capaz de atentar mortalmente contra o próprio berço (entre o Tigre e o Eufrates) e contra si mesma.

Ao “Ocidente”, enquanto termo sociológico que ultimamente tem sido usado para definir a “nossa” civilização, cairia bem o verso imortal de Nelson Cavaquinho: “já vai muito longe a minha mocidade”.

Mas, tal como a arte, a Humanidade é imortal, pela simples razão de que não haveria ser humano para registrar sua morte, como não houve o que registrasse seu nascimento. Assim, ela se renova (renasce) em sucessivos ciclos de civilização que ocorrem nas coordenadas do espaço-tempo, às vezes, histórico; outras vezes, cósmico. Os pensadores mais lúcidos das últimas cinco décadas coincidem em conjeturar para exatamente agora, nesta quadra, o advento de um novo ciclo, em coordenadas ao mesmo tempo históricas e cósmicas. Oswald de Andrade (A crise da filosofia messiânica); Álvaro Vieira Pinto (A sociologia dos países subdesenvolvidos); Fritjof Capra (O ponto de mutação) - por exemplo. Mas, no momento atual, não precisamos da genialidade desses grandes pensadores para saber que estavam certos. Gramsci definiria este nosso tempo como o de transição entre o fim de um ciclo de uma civilização que ainda não terminou de morrer e o nascimento de um novo ciclo daquela que ainda está em trabalho de parto.

Interrompi a redação deste artigo para acompanhar, ao vivo e boquiaberto, o desfile de comemoração dos 60 anos da Revolução Chinesa, em Pequim, através da TV chinesa em espanhol (CCTV). Indescritível manifestação do povo que nos liderará neste novo ciclo: a China renasceu em 1949 e agora exibe a vitória de sua revolução para o mundo com a mensagem da liberdade conquistada por uma Pátria que hoje se demonstra invencível. Monumentalidade em proporções chinesas: 50 mil militares e 150 mil civis desfilaram, impecáveis, em frente ao retrato de Mao-Tsé-Tung, numa sequência poética e humanista que homenageou o pensamento do líder e a sucessão de conquistas do seu povo durante a República Popular por ele fundada. Igualmente chineses foram o bom gosto e a liberdade criativa, mesclando tradição, folclore, erudição e arte popular com requintes de artesanato, tecnologia, ousadia e plasticidade para vestir e cenografar o maior espetáculo coreográfico-musical que já se realizou neste planeta. Uma banda militar de dois mil músicos, a que se somavam milhares de tambores e percussionistas e um coral de 10 mil vozes, além de um super painel gráfico de 50 mil pessoas, fizeram o musical e o texto para o desfile gigantesco de 200.000 soldados-bailarinos-do-povo e incontáveis carros alegóricos, numa profusão de alegria e felicidade coletiva. O espetáculo de inauguração das Olimpíadas foi uma produção de pequeno porte em comparação à desse desfile.

Voltando à reflexão original que deu margem a este escrito, quero dizer que a Gazeta, desde o começo, e com seus modestíssimos recursos, se propõe a ser parte da Humanidade que renasce, em particular, no que diz respeito ao renascimento do jornalismo nacional, ao qual pretende aportar o seu grão de areia.

Terá o jornalismo nacional falecido? A resposta é sim, há algumas décadas; “e agora são os seus cadáveres que por aí perambulam”. O artigo de Michael Niman, publicado em português no site Resistir serve como atestado de óbito, e não somente para o jornalismo nacional. Recomendo-o: http://resistir.info/varios/morte_diarios.html.

As reflexões do gazeteiro continuam na próxima Gazeta.