quarta-feira, 11 de março de 2009

Gazeta em forma de e-meio 79

Estranhas vibrações

O fechamento da exposição “Bodies Revealed” (Corpos Revelados), ocorrido semana passada num centro de convenções de um bairro chique de Caracas, por ordem do governo Chavez, dá o que pensar.

Do seu programa dominical “Alô Presidente”, Hugo Chavez justificou o ato com base nas leis da Revolução - que proíbem a exibição de cadáveres humanos, bem como a difusão de imagens por qualquer meio impresso ou eletrônico, exceto quando em ritos fúnebres legalmente reconhecidos, e com a devida autorização dos familiares e das autoridades competentes -, e denunciou o evento:

“São restos humanos, e em nossos narizes; estamos diante de algo macabro. É um signo que evidencia a imensa decomposição moral que assola este planeta. E neste planeta estamos fazendo uma revolução que tem de começar por ser espiritual e ética, ou não será nada”, disse ele.

A exposição se constitui num evento de alto luxo (o ingresso custa cerca de 30 dólares) e super produzido em Atlanta, EUA, que se apresenta como de natureza “didática” e, não declarada mas subrepticiamente, reivindica para si duvidosas validades “artística” e “científica”.

Para conseguir autorização na Venezuela, os responsáveis declararam nos trâmites oficiais que se tratava de bonecos de plástico que imitavam à perfeição o corpo humano e suas entranhas: “Veja como você é por dentro”, proclama o evento em suas peças de propaganda. Porém, a partir da denúncia de um jornalista, as autoridades descobriram que são cadáveres humanos reais “polimerizados”. O próprio site da empresa de Atlanta, uma tal Premier Exibitions Inc., informa que são, de fato, cadáveres reais.

Mas não responde convincentemente às perguntas do jornalista Antonio Aponte, publicadas no Diaro Vea, de Caracas: “Estes cadáveres, de quem são? Por que estão insepultos?” Alegam serem corpos doados a universidades, porém, sem informar quais delas, de quem são e por quem estão autorizados a exibi-los, comercialmente, não somente em completa nudez, mas até às entranhas mais profundas ou aos pedaços. As investigações do jornalista apontam para um mercado negro de cadáveres de origem asiática e de sistemas penais corruptos.

Entre outras questões, estes fatos dão o que pensar:

a) Pelas fotos e vídeos de reportagem (sem closes nos cadáveres) e pelas exibidas no site da empresa produtora (com closes e detalhes, e incluindo crianças observando-os com admiração), tudo aquilo é feito com altíssima tecnologia e uma montanha incalculável de recursos de toda ordem, principalmente financeiros. No entanto, não há chancela de entidades de naturezas didática, científica ou artística, nomes de pessoas e profissionais envolvidos, nem menção de apoios, patrocínios ou fontes de tantos recursos. A empresa apenas declara ter ações negociadas na NASDAQ.

b) Por que, dispondo de tantos recursos e de tecnologia de sobra, os responsáveis (ocultos em anonimato) optaram pelo uso de cadáveres reais ao invés de imitações em materiais que permitem chegar à cópia quase perfeita das formas humanas, sem ofensa aos direitos humanos, à espiritualidade religiosa e aos sentimentos humanistas, além de satisfazerem com real eficácia a alegada natureza “didática”, possibilitando até, se o quisessem mesmo os responsáveis, a busca de valores verdadeiramente artísticos e científicos dos objetos expostos?

c) O silêncio da mídia hegemônica mundial diante de mais um “ato de censura e despotismo da ditadura de Hugo Chávez, na Venezuela”.

Este gazeteiro não sabe bem por que, mas intui que há algo muito sutil que liga aqueles acontecimentos na Venezuela aos fatos ocorridos aqui no Brasil relacionados com o estupro de uma criança de nove anos e o aborto legal dos fetos que nela foram gerados.

Pois dá o que pensar:

Por que a Igreja Católica, também uma “trade mark” com ações na Dow Jones, optou por se posicionar pública e escandalosamente da forma que fez, excomungando a mãe da criança e os médicos, enfermeiras e toda a equipe do hospital envolvida nos trabalhos do aborto legal, inclusive os choferes de ambulâncias, ao mesmo tempo em que abriu as portas do perdão católico ao estuprador, sem sequer condená-lo (não vamos cair na ingenuidade de pensar que os hierarcas da Igreja brasileira e do Vaticano são tão burros assim)?

Aqui nota-se também, depois do escândalo, o silêncio da mídia hegemônica, tanto quanto a ausência completa de um posicionamento dela diante de ambos os fatos (o da Venezuela e o do Brasil).

Cadáveres comercializados em exposição aberta até para crianças; fetos abortados por estupro de uma criança, pedofilia mórbida, quase incestuosa: o sórdido e o macabro em evidência emulados pelo grande capital e pela Igreja Católica. Não pense o leitor que não há cálculo por detrás de tudo isso. Estranhas vibrações, e muito negativas. Devemos ter cuidado. E mais ainda com as nossas crianças.


Em tempo: pelo site da empresa produtora, a exposição “Bodies Revealed” até agora só tem agenda (schedule) para a Venezuela e para o Brasil. Por que será?